O bloqueio de recursos no Orçamento de 2022 deixou o governo Jair Bolsonaro (PL) com apenas R$ 2,4 bilhões para gastos bancários discricionários de todos os ministérios no último mês do ano. Existe um temor real de falta de dinheiro até mesmo para despesas obrigatórias, como aposentados e pensionistas, o que levou o Executivo a traçar um plano de emergência.
O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, fez ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma consulta sobre a possibilidade de usar o crédito extraordinário, fora do teto de gastos, para bancar uma parcela das despesas do INSS (Instituto Nacional do Seguro sociais) .
A tese é que esses gastos cresceram muito após a observação das análises de requerimentos e redução da fila de espera, deixando o governo sem margem de manobra no Orçamento nos últimos meses do ano. O buraco nas despesas obrigatórias é estimado em R$ 22,3 bilhões, dos quais 70% correspondem à Previdência.
A consulta, revelada pelo jornal Valor Econômico e também publicada pela Folha de S.Paulo, foi formalizada pela Casa Civil com o respaldo do Ministério da Economia, que exibiu uma série de pareceres para fundamentar a questão. Um dos ofícios é assinado pelo próprio ministro Paulo Guedes.
O cenário é considerado extremamente grave e dramático. Sem uma solução, a perspectiva é que se avolumem as notícias de órgãos suspendendo atividades , em um verdadeiro apagamento da máquina pública federal.
O próprio governo está com dificuldades de segurar o bloqueio, que chegou a R$ 15,4 bilhões em 22 de novembro, após a constatação de que as despesas com o INSS subiriam novamente.
Além disso, a Economia está sem margem de manobra para acomodar uma necessidade extra de outros R$ 15,4 bilhões para pagar os benefícios do INSS. A solução seria interromper de vez as dotações das emendas de relator (hoje apenas bloqueadas), mas isso demandaria aval prévio do Congresso.
“Até o presente momento, não houve sinalização (positiva ou negativa) do Relator-Geral da LOA [Lei Orçamentária Anual] 2022 para que as despesas obrigatórias obrigatórias fossem suplementadas com recursos originários das programações de RP 9 [emendas de relator]. Esta situação vem preocupando as áreas técnicas dos Ministérios da Economia e do Trabalho e Previdência em virtude de não haver tempo hábil ainda neste exercício para despesas suplementares obrigatórias“, alerta ofício assinado pelos integrantes da Secretaria de Orçamento Federal.
O Executivo encaminhou um projeto de lei para autorizar o remanejamento sem esse aval prévio, mas há grande risco de a votação não ocorrer a tempo de ajustar as programações do Orçamento.
O clima é de insegurança. As liberações de recursos e o pagamento efetivo das despesas dependentes de atos assinados por técnicos e gestores, que respondam com o próprio CPF caso seja constatada alguma irregularidade diante das normas fiscais. A violação do teto de gastos poderia ser enquadrada nessa categoria, assim como o não pagamento de uma despesa que, como diz o nome, é obrigatória.
Um crédito extraordinário que não preenche os requisitos constitucionais de imprevisibilidade e urgência também poderia ser julgado como irregularidade, daí a consulta ao TCU.
A Casa Civil alega que o exercício de 2022 apresenta “situação atípica” e questiona se o “crescimento imprevisível e extraordinário de despesa obrigatória, conjugada com a ausência de instrumentos legais adequados à demanda por crédito adicional em função de restrições temporárias” seria motivação suficiente para a abertura de crédito extraordinário.
O registro da assinatura eletrônica de Ciro Nogueira é de 0h27 do dia 1º de dezembro, e o protocolo no TCU foi feito à 1h02 — evidenciando a urgência com que a questão vem sendo conduzida pelo governo.
A situação é tão dramática que o governo vê risco de a despesa com a Previdência ficar ainda maior nos próximos dias, quando o Ministério do Trabalho e Previdência processa a folha de dezembro. Qualquer esforço de “raspar o cofre” nos demais ministérios seria insuficiente para solucionar o problema.
Caso o tribunal dê o sinal verde para pagar aposentadorias com crédito extraordinário, a intenção do governo é fazer uma análise criteriosa do valor que será efetivamente necessária —o que tenderá a ficar abaixo dos R$ 22,3 bilhões. O cuidado leva em conta a avaliação de que abusar de eventual precedente aberto pelo TCU poderia ser um tiro no pé.
Por outro lado, mesmo que o tribunal dê sinal verde à consulta, há dúvidas se os técnicos que operacionalizam esses pagamentos aceitam o crédito extraordinário, uma vez que a jurisprudência do tribunal de contas está sujeita a mudanças até o julgamento efetivo das contas. O temor nos bastidores é ficar exposto a algum tipo de responsabilização.
Por isso, o Executivo busca também outras saídas. O governo chegou a consultar o STF (Supremo Tribunal Federal) na terça-feira (29/11) sobre a possibilidade de usar crédito extraordinário para bancar o repasse de R$ 3,9 bilhões para o setor cultural, previsto na lei Paulo Gustavo, mas essa porta foi fechada pela Corte.
Outra saída é aprovar um projeto de lei que flexibiliza alguns dispositivos no Orçamento para descontar despesas do teto de gastos e reduzir o repasse da lei Paulo Gustavo ainda em 2022.
Prever um espaço extrateto para 2022 na PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição , patrocinada pelo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) , seria a opção “mais segura”. No entanto, interlocutores do Ministério da Economia não estão autorizados a se envolver nestas articulações, que têm sido conduzidos apenas por parlamentares.
Os congressistas têm forte interesse em abrir espaço no Orçamento para liberar R$ 7,7 bilhões em emendas de relator que hoje estão bloqueadas. Essas palavras são usadas para irrigar redutor eleitorais dos contemplados e servir de moeda de troca nas políticas com o Palácio do Planalto.
Mas a inclusão de despesas para 2022 na PEC da Transição também pode ajudar os ministérios, que chegaram em dezembro com apenas R$ 2,4 bilhões em verbas efetivamente disponíveis para custear contratos, compra de material e obras em andamento na reta final do ano.
Da dotação de R$ 99,3 bilhões para despesas discricionárias neste ano, R$ 89,5 bilhões já foram empenhados (primeira fase do gasto, quando há o compromisso com a aquisição do bem ou serviço) em 30 de novembro e outros R $ 7,4 bilhões estão bloqueados.
O Ministério da Educação, por exemplo, ficou com apenas R$ 466 milhões disponíveis até o fim do ano. Na Saúde, esse valor é de R$ 374,6 milhões. São valores ínfimos para o porte das políticas conduzidas por essas pastas.
Há ainda casos isolados de alguns ministérios que tutelaram bloqueios maiores do que o valor disponível na data do decreto, deixando uma espécie de “saldo a bloquear“. Caso a situação não seja resolvida, é possível que esses órgãos precisem cancelar despesas que já estiveram ocupadas.
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