‘Imposto do pecado’ vai ser cobrado de carros, cigarros e bebidas alcoólicas
Objetivo é que bens e serviços que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente tenham um imposto ainda maior em relação ao que já pagam hoje em dia.
O governo federal, juntamente com os estados, apresentou uma proposta polêmica no âmbito da reforma tributária e que vai atingir diretamente o consumo: a implementação do imposto seletivo, popularmente conhecido como “imposto do pecado“. Esse imposto visa aumentar a carga tributária sobre produtos considerados nocivos à saúde pública e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e veículos poluentes, além de produtos derivados da extração de minério de ferro, petróleo e gás natural.
Conforme descrito no projeto de regulamentação, este imposto seletivo tem como objetivo desencorajar o consumo de certos bens através de uma tributação específica. “O presente Projeto especifica os produtos sobre os quais o Imposto Seletivo incidirá, bem como a forma pela qual se dará a tributação sobre cada categoria de produto“, explica o texto.
As alíquotas para cada produto ainda serão definidas através de lei ordinária, o que indica que as taxas exatas e o impacto total na carga tributária ainda são incertos neste estágio.
Itens que incidirão o “imposto do pecado”
Entenda a aplicação do ‘imposto do pecado’ sobre carros
O governo justificou a aplicação do IS sobre veículos, aeronaves e embarcações “por serem emissores de poluentes que causam danos ao meio ambiente e ao homem“. Especificamente em relação aos veículos, a proposta é que as alíquotas incidam sobre automotores classificados como automóveis e veículos comerciais leves e variem a partir de uma alíquota base, de acordo com os atributos de cada veículo.
Serão considerados para definição da alíquota final, para cada veículo, a potência do veículo, a eficiência energética, o desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção, a reciclabilidade de materiais, a pegada de carbono e a densidade tecnológica. “Portanto, a alíquota base de cada veículo poderá ser majorada ou decrescida de acordo com os critérios elencados“, diz o texto.
Terão alíquota zerada os automóveis e comerciais leves considerados como sustentáveis (com critérios sobre emissão de dióxido de carbono, entre outros). A alíquota reduzida do IS será aplicada sobre veículos vendidos a pessoas com deficiências ou a motoristas profissionais (taxistas), desde que benefício semelhante tenha sido reconhecido no âmbito do IBS e da CBS.
Cigarros
O IS incidirá sobre produtos fumígenos, “universalmente apontados como prejudiciais à saúde em uma vasta gama de estudos acadêmicos”. O texto cita que os produtos fumígenos de consumo mais difundido são os cigarros, e que “a tributação incidente sobre esses produtos é um instrumento estatal notoriamente efetivo para desestimular o tabagismo, conforme indicam inúmeros estudos relacionados ao tema”.
“Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS, a cobrança de tributos sobre o tabaco mostra-se como um instrumento efetivo para reduzir o seu consumo. Portanto, a tributação sobre cigarros é uma política de saúde pública. O Brasil adota há anos a combinação de alíquotas ad valorem e específicas incidentes sobre a produção de cigarros“, acrescenta o texto.
Essa estratégia, de acordo com o governo, tem produzido resultados positivos tanto quanto à arrecadação, quanto à redução do consumo dos produtos. Charutos, cigarrilhas e cigarros artesanais possam ter o mesmo tratamento tributário do que os cigarros, “uma vez que produzem os mesmos efeitos negativos para a saúde”.
Outros produtos fumígenos, derivados ou não do tabaco, também devem ter o IS, como tabaco picado para confecção de cigarros artesanais, fumo para cachimbos, tabaco para narguilé.
Para combater o mercado ilegal na produção e comercialização dos produtos fumígenos, a proposta estabelece a aplicação da pena de perdimento (confisco) no caso de transporte, depósito ou exposição à venda desses produtos desacompanhados da documentação fiscal que comprovem sua procedência, sem prejuízo da cobrança do IS.
“O mercado ilegal dos produtos fumígenos, principalmente cigarros, tem sido um grave problema econômico e de segurança pública, com a crescente participação de organizações criminosas na sua fabricação e distribuição, o que justifica a pena de perdimento na forma proposta“, explica o governo.
Bebidas alcóolicas
O governo também justificou que o consumo de bebidas alcoólicas representa grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo, apresentando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) que indicam que esse consumo está associado a doenças crônicas, como cardiovasculares, hepáticas e neoplasias. Também cita que o uso excessivo de álcool está relacionado a problemas de saúde mental e à ocorrência de violência e acidentes de trânsito.
“Pesquisa apresentada pelo Instituto Nacional de Câncer – INCA indica que, em 2018, os gastos totais com tratamento de cânceres associados ao consumo de álcool representaram um gasto de R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos, considerando apenas os procedimentos ambulatoriais e hospitalares custeados pelo governo federal. Estima-se que até 2040 serão gastos mais de R$ 4 bilhões, correspondendo a um aumento de 139% quando comparado ao ano de 2018“, diz.
A intenção é que parte da alíquota considere a quantidade de álcool. O IS deve ser aplicado na primeira comercialização das bebidas pelo fabricante, com exceção de situações específicas, como importação, arrematação em leilão e transferência não onerosa. “Essa abordagem facilita a administração do tributo, já que a cadeia econômica do setor é conhecida por possuir uma estrutura concentrada nos fabricantes, mas muito fragmentada nas fases de distribuição e varejo”, afirma a proposta.
Bebidas açucaradas
Lógica semelhante foi declarada para a cobrança do IS sobre bebidas açucaradas. “Há consistentes evidências de que o consumo de bebidas açucaradas prejudica a saúde e aumenta as chances de obesidade e diabetes em diversos estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde – OMS. E a tributação foi considerada pela OMS como um dos principais instrumentos para conter a demanda deste tipo de produto“, diz.
O governo citou que 83 países integrantes da OMS já tributam bebidas açucaradas, principalmente refrigerantes. O imposto deve ser cobrado ao fabricante na primeira venda, ao importador e ao arrematante na hipótese de leilão. Essa definição, de acordo com o texto, acontece porque o setor econômico possui uma estrutura concentrada nos fabricantes e fragmentada nas fases de distribuição e varejo.
Bens minerais extraídos
O governo propôs a incidência do IS sobre a extração de minério de ferro, de petróleo e de gás natural. O tributo deve ser aplicado na primeira comercialização pela empresa extrativista, ainda que o minério tenha como finalidade a exportação. Há também hipótese de incidência na transferência não onerosa de bem mineral extraído ou produzido.
“Nas situações em que as empresas utilizem o minério extraído em sua própria cadeia produtiva, o fato gerador foi definido como o consumo do bem mineral, cuja base de cálculo será definida por um preço de referência conforme metodologia estabelecida na Lei Complementar. Está prevista a redução da alíquota a zero para o gás natural que seja destinado à utilização como insumo em processo industrial“, prevê o projeto.
Reação do setor produtivo
Diversas entidades representativas do setor produtivo já se posicionaram sobre a medida. O Sindicato Nacional da Indústria das Cervejas (Sindicerv), que representa 85% das fabricantes nacionais, destacou que atualmente cerca de 56% do preço final de uma lata de cerveja são impostos. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária em outros produtos é igualmente alta: 44% para vinhos nacionais, 58% para importados, 67% para vodka e whisky, e quase 82% para cachaça.
Por outro lado, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) ressaltou que a tributação sobre os cigarros, um dos principais alvos do novo imposto, variava entre 69% a 83% do preço total em 2017. A Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) também comentou que os automóveis são taxados entre 37% e 44%.
Visão geral da reforma tributária
A reforma tributária, já aprovada e promulgada pelo Legislativo no final do ano passado, prevê a substituição de cinco tributos por dois novos Impostos sobre Valor Agregado (IVAs) – um administrado pela União e outro de gestão compartilhada entre estados e municípios. A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de gestão federal, unificará IPI, PIS e Cofins, enquanto o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de gestão compartilhada, substituirá o ICMS e o ISS.
Estrutura do projeto de regulamentação do imposto do pecado
O projeto de regulamentação lançado, contendo cerca de 300 páginas e 500 artigos, não só detalha o imposto do pecado, mas também aborda a transição na distribuição da receita tributária e questões relacionadas ao contencioso administrativo.
Além desse projeto, disse ele, haverá outros dois:
- um sobre a transição na distribuição da receita (para os estados e municípios) e com questões relativas a contencioso administrativo;
- um para tratar das transferências de recursos aos fundos de desenvolvimento regional e de compensações de perdas dos estados.
O cronograma da Fazenda prevê que a regulamentação será feita entre 2024 e 2025. Com o término dessa fase, poderá ter início, em 2026, a transição dos atuais impostos para o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) — com cobrança não cumulativa.
Expectativas e impacto econômico
O governo e analistas acreditam que a reforma tributária pode aumentar significativamente a produtividade do Brasil e reduzir custos, com potencial de elevar o PIB do país em pelo menos 10% nas próximas décadas. A implementação do IVA, com tributação no destino final dos produtos, é vista como um passo essencial para acabar com a guerra fiscal entre os estados e simplificar o complexo sistema tributário atual.