Uma investigação realizada pela Polícia Civil do Ceará afirmou que a loja Zara do Shopping Iguatemi, em Fortaleza, criou um código secreto para que funcionários ficassem atentos e acompanhassem pessoas negras ou com “roupas simples” que entrassem no estabelecimento.
O “alerta” era dado pelo sistema de som da loja, por meio do código “Zara Zerou“.
“Testemunhas que trabalharam no local alegam que eram orientadas a identificar essas pessoas com estereótipos fora do padrão da loja. A partir dali, ela era tratada como uma pessoa nociva, que deveria ser acompanhada de perto. Isso geralmente ocorria com pessoas com roupas mais simplórias e ‘pessoas de cor‘”, afirma o delegado-geral da Polícia Civil do Ceará, Sérgio Pereira, que considerou o procedimento absurdo, lamentável e inaceitável.
“Esse tipo de tratamento da Zara já foi registrado diversas vezes, não só aqui no Brasil, inclusive fora do país, com pagamento de indenização” – disse Sergio Pereira.
Quem detalhou como era feito o alerta foi a delegada Arlete Silveira, diretora do Departamento de Defesa de Grupos Vulneráveis. Ela diz até que abordagens eram orientadas.
“Esse código era o ‘Zara zerou’, que foi descoberto durante a investigação. Ele orienta para que exista uma abordagem dentro da loja quando chega alguém ‘diferente’, digamos assim, sem o perfil do consumidor da Zara. É como se aquela pessoa deixasse de ser uma consumidora e se tornasse suspeita“, relata.
Detalhes da discriminação a determinados clientes foram descobertos durante a investigação do caso envolvendo a delegada Ana Paula Barroso, que é negra, foi proibida de entrar na loja na noite do dia 14 de setembro e registrou um boletim de ocorrência por racismo. Na ocasião, a alegação era de que o veto se tratava de uma “questão de segurança” do shopping.
Quem a expulsou, diz a polícia, foi o gerente da loja: o português Bruno Felipe Simões, 32, que foi indiciado pelo crime de racismo. O inquérito finalizado foi enviado à Justiça.
Atendimento conforme perfil
No caso da delegada, Simões alegou, em depoimento, que impediu o acesso da delegada à loja porque ela estava usando máscara de forma inadequada, o que contraria os protocolos contra a covid-19. Ana Paula Barroso rebate essa justificativa, e a investigação reuniu elementos que endossam a versão dela.
A polícia levantou provas de que o tratamento aos clientes variava conforme a cor e perfil — e não havia relação com o uso ou não de máscara.
As imagens do circuito interno de câmeras do shopping e da loja mostram que a delegada, ao tentar entrar na loja, estava com a máscara abaixada porque ela tomava sorvete. Durante todo o resto do trajeto dela no estabelecimento, ela fez uso da máscara.
No Boletim de Ocorrência, ela relata que questionou o funcionário, identificado no documento como gerente e chamado Bruno, se estava sendo barrada por estar comendo. Ele teria apenas repetido várias vezes que era uma determinação da segurança do shopping. Em seguida, a delegada procurou a equipe de segurança do centro comercial e relatou o ocorrido. Questionou se podia ter sido barrada por estar comendo, mas ouviu de três seguranças do shopping que não havia determinação nesse sentido.
“Isso ficou claro na oitiva das testemunhas: os seguranças apenas orientam a recolocar a máscara se não tiverem fazendo o consumo de alimentos. Quando veem, não abordam“, disse Manuela Lima, delegada da Mulher de Fortaleza.
Por fim, Ana Paula falou com o chefe da segurança do shopping. Os dois voltaram à Zara, onde o gerente confirmou a versão da delegada e se desculpou pelo ocorrido. “Ele pediu desculpas e afirmou que se tratava de uma política que valeria a todos. Disse que não era racista, que tinha até amigos negros e homossexuais“, afirma Manuela.
As imagens coletadas pela polícia do dia em que a delegada foi impedida de entrar na loja mostram outras clientes brancas circulando normalmente pela loja mesmo sem máscaras ou usando o acessório de forma errada. O mesmo gerente que expulsou a delegada aparece atendendo algumas dessas pessoas brancas.
Com informações do UOL*
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