O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos nesta segunda-feira (19 de dezembro) a favor de considerar inconstitucional o chamado “orçamento secreto“.
Orçamento secreto foi o nome informalmente dado às emendas parlamentares repassados aos estados sem critérios claros ou transparência. Foi o voto de Rosa Weber que levou o plenário do STF a suspender temporariamente esses pagamentos e determinar que o Congresso criasse um sistema para dar publicidade aos gastos. Os repasses foram liberados posteriormente.
O Supremo retomou o julgamento nesta segunda-feira (19). O primeiro a votar na sessão foi o ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhou a relatora e consolidou a maioria no sentido de que a falta de transparência do orçamento secreto viola a Constituição.
Lewandowski afirmou que, apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências, aos parâmetros constitucionais de transparência. Para o ministro, apesar de ter havido ampliação da publicidade transparência na gestão das emendas de relator, os atos editados até o momento não conseguiram resolver, de forma adequada, questões importantes como a identificação de quem pediu e quem se beneficiou dos recursos, além de medidas de rastreabilidade do dinheiro.
O ministro citou o projeto de resolução sobre o tema aprovado pelo Congresso no fim da semana passada. Para ele, a “medida apresentou avanços significativos para mitigar a enorme discricionariedade que o relator tem na distribuição dos recursos orçamentários”. Mas, salientou, apesar dos progressos, ainda não resolve as incompatibilidades com a Constituição. Entre os pontos com problemas, a falta de clareza para quais parlamentares dentro das bancadas o recurso vai; e o poder que o líder partidário terá para repartir as verbas, o que abre espaço para barganhas políticas.
- 6 ministros votaram para invalidar o orçamento secreto e limitar o uso das emendas de relator apenas para “correções” no orçamento, sem indicações parlamentares, como era antes de 2019. Os 5 são: Rosa Weber (relatora), Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Luis Roberto Barroso.
- 4 votaram no sentido de que as emendas de relator podem continuar sendo distribuídas pelo relator do Orçamento, desde que com critérios mais transparentes. Os 4 são: André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Cada ministro, no entanto, apresenta sua proposta de medidas a adotar para aprimorar o modelo.
Impacto
Como mostrou o Estadão, o julgamento no STF sobre o orçamento secreto terá impacto na relação entre os Poderes no próximo ano e, sobretudo, na construção da governabilidade do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O orçamento secreto virou instrumento de barganha política entre o Centrão e o Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro (PL). É por meio da distribuição de emendas bilionárias, sem qualquer critério técnico, prioritário ou transparente, que o Planalto negocia apoio no Congresso. O caso foi revelado pelo Estadão em uma série de reportagens.
A manutenção dessa prática é considerada essencial pelo Centrão para que a Câmara aprove, nesta terça-feira (20/12), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC da Transição), que permite ao futuro governo pagar o novo Bolsa Família de R$ 600 e o aumento do salário mínimo. Os deputados ameaçam desidratar o texto, ou até mesmo barrá-lo na Câmara, caso o STF acabe com o orçamento secreto. Algo que agora, deve acontecer.
Durante a campanha, Lula chamou o mecanismo utilizado no orçamento secreto de “excrescência” e prometeu revogá-lo caso fosse eleito. Agora diplomado, o petista recuou do posicionamento adotado na corrida presidencial. Em reuniões com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – a quem já chamou de “imperador do Japão” por operar o esquema -, Lula disse diversas vezes não ter feito articulações com ministros do STF para tentar derrubar o mecanismo.
O eventual fim do orçamento secreto também tem potencial para afetar a relação entre o STF e o Congresso. Deputados e senadores ameaçam não aprovar a proposta orçamentária do Judiciário para 2023, que prevê aumento de salário aos ministros da Corte, provocando efeito cascata para toda a magistratura e o Ministério Público.
O veto aos recursos da Justiça seria uma retaliação dos parlamentares aos magistrados pelo fim do principal instrumento de barganha do Legislativo com o governo. “Vai tirar o orçamento da gente e a gente vai aceitar? Se tirar o nosso, a gente tira o deles“, disse ao Estadão o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA).
Julgamento
O Supremo Tribunal Federal retomou nesta segunda-feira (19) o julgamento das quatro ações que questionam o chamado orçamento secreto, apresentadas por PV, PSOL, PSB e Cidadania.
Na semana passada, 9 ministros apresentaram seus votos.
A relatora do caso, ministra Rosa Weber, votou para considerar inconstitucional o mecanismo, por violações à Constituição – por não garantir a transparência na destinação dos recursos, beneficiar um grupo restrito de parlamentares e abrir espaço para barganhas políticas. A ministra entendeu ainda que, pela Constituição, o relator não tem o poder de criar novas despesas, só fazer ajustes e correções técnicas.
A ministra determinou a publicação de informações sobre serviços, obras e compras realizadas com as verbas do orçamento secreto. Também ordenou que sejam identificados quem pediu as emendas e quem foi beneficiado. Tudo isso no prazo de 90 dias.
Acompanharam totalmente o voto de Rosa Weber os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
O ministro André Mendonça divergiu parcialmente da relatora. Entendeu que a Constituição permite que as emendas de relator ampliem ou criem novas despesas no orçamento, para além dos ajustes. Mas, assim como Weber, Mendonça reconheceu que o Congresso deve tomar medidas para garantir um maior nível de transparência e publicidade na aplicação desses recursos. E votou por um prazo de 60 dias para que as emendas de relator tenham, nesse sentido, as mesmas regras das emendas individuais e de bancadas.
O ministro Nunes Marques também divergiu de rosa weber e votou pela rejeição das ações por questões processuais. Para o ministro, eventual apuração de irregularidades deve ser feita por órgãos de controle. Mas ressaltou a necessidade de transparência para este tipo de emenda. E deu um prazo de até 30 dias para que isso ocorra.
O ministro Alexandre de Moraes também divergiu parcialmente de Rosa Weber. Considerou que o relator do Orçamento tem o direito constitucional de criar ou ampliar gastos. Concordou com os demais ministros que as emendas de relator precisam seguir critérios de transparência. Mas foi além: votou para que as emendas do orçamento secreto sigam regras mais rigorosas para a distribuição entre os parlamentares, seguindo o princípio da proporcionalidade – ou seja, de acordo com o tamanho das bancadas dos partidos.
No seu voto, o ministro Dias Toffoli estabeleceu critérios ainda mais específicos para as emendas do orçamento secreto. Além da transparência e proporcionalidade, Toffoli votou para que as emendas se enquadrem dentro dos programas estratégicos do executivo e que tenham limite de valores para cada município.
Com informações do G1*
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