Agência FAPESP – Experimentos com camundongos conduzidos na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, sugerem que inibir a ação de uma proteína conhecida como quemerina pode ser uma estratégia eficaz para evitar a perda óssea associada a doenças de cunho inflamatório, como obesidade, dislipidemia, diabetes e artrite reumatoide.
Resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram publicados no periódico Journal of Bone and Mineral Research.
“A quemerina é uma molécula produzida principalmente pelos adipócitos [as células que armazenam gordura], mas também está expressa em diversos órgãos. Há evidências de que essa proteína está aumentada na circulação sanguínea de pessoas obesas ou que sofrem de diabetes do tipo 2, dislipidemia, osteoporose, artrite reumatoide, psoríase e doença de Crohn”, contou Sandra Yasuyo Fukada, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP) e coordenadora do projeto.
Estudos recentes mostraram ainda que pessoas obesas e que sofrem de dislipidemia estão mais propensas a sofrer fraturas, osteoporose e doença periodontal – um conjunto de condições inflamatórias na gengiva que, com o tempo, pode levar à perda dos tecidos de suporte dos dentes.
Segundo a pesquisadora, embora já estivesse clara a existência de uma correlação entre inflamação crônica, perda óssea e aumento de quemerina, ainda não se sabia se a molécula era um simples marcador ou se participava ativamente do processo que culminava com a diminuição da massa óssea.
“Trabalhos anteriores haviam mostrado que, após a remoção de tártaro nos dentes de pacientes com doença periodontal, o nível de quemerina na cavidade oral diminuía. Portanto, quando a inflamação reduzia também caía a quemerina. No entanto, ainda não estava claro o que era causa e consequência. Nós fomos o primeiro grupo a mostrar que essa proteína, de fato, tem um papel ativo na doença periodontal”, disse a pesquisadora.
O primeiro passo foi comprovar que tanto a quemerina quanto o receptor celular por ela ativado – a proteína CMKLR1 – estão expressos em osteoclastos – tipo celular especializado em reabsorver o tecido ósseo. Em seguida, o grupo foi investigar in vitroqual seria o efeito da molécula sobre essas células e no tecido ósseo.
Para isso, foram isoladas da medula óssea de camundongos células-tronco hematopoiéticas, capazes de se diferenciar em osteoclastos. Para manter ossos saudáveis, essas células precisam existir em equilíbrio com os osteoblastos, responsáveis pela síntese e mineralização da matriz óssea.
“Quando colocamos as células precursoras para se diferenciar em uma placa de cultura convencional, observamos que a quemerina não induziu nenhuma alteração. O número de osteoclastos formados foi igual com ou sem a molécula no meio. Porém, quando repetimos o experimento em uma placa que continha no fundo uma matriz óssea artificial, pudemos notar que, na presença de quemerina, a capacidade de reabsorção óssea dos osteoclastos aumentava. O buraco formado na matriz óssea foi três vezes maior na presença de quemerina”, relatou Fukada.
Ainda por meio de experimentos in vitro, o grupo da USP descobriu que, ao se ligar no seu receptor celular, a quemerina induz a produção de uma enzima chamada catepsina-K, capaz de degradar o colágeno do osso. O estudo mostrou ainda que esse efeito é dependente de uma proteína intermediária no processo, conhecida como ERK-5.
“Observamos que a quemerina faz aumentar a fosforilação [ativação] de ERK-5 e, quando essa molécula foi bloqueada, não aconteceu o aumento de catepsina-K”, contou Fukada.
Prevenindo o dano
Para testar o efeito da quemerina in vivo, o grupo da USP usou dois modelos diferentes de dislipidemia. Em um deles, camundongos foram modificados geneticamente para não expressar o gene codificador de leptina – hormônio que regula a sensação de saciedade no cérebro. Como consequência, tornam-se obesos ainda jovens e desenvolvem distúrbios metabólicos como resistência à insulina e dislipidemia.
No segundo modelo, os animais são alimentados durante 16 semanas com dieta hiperlipídica. Embora não fiquem tão gordos quanto os roedores sem leptina, a taxa de gordura abdominal aumenta significativamente e, em decorrência disso, surgem os distúrbios metabólicos.
“Os dois grupos apresentaram taxas elevadas de colesterol, principalmente o que recebeu dieta hiperlipídica, além de níveis mais elevados de quemerina na circulação quando comparados ao grupo controle. Além disso, a expressão de quemerina e de seu receptor estava aumentada na gengiva dos animais dislipidêmicos [nos dois modelos] em relação ao controle”, comentou Fukada.
Ao comparar a perda óssea abaixo da gengiva, os pesquisadores notaram que ela foi 50% maior nos animais que receberam dieta hiperlipídica do que nos camundongos controle. Já o aumento observado nos animais sem leptina foi cerca de 20%, também em relação ao controle.
Em um outro experimento, os animais sem leptina foram tratados com um antagonista do receptor de quemerina (molécula capaz de se ligar ao receptor, não deixando a quemerina agir).
Análises feitas quando os animais já estavam adultos mostraram que a perda óssea foi reduzida significativamente, ficando os resultados finais semelhantes aos do controle. Também foi possível mostrar que o tratamento impediu a elevação de catepsina-K na gengiva dos roedores.
“Nossa hipótese é que, embora esses animais dislipidêmicos produzissem mais quemerina que os do grupo controle, a ação da molécula foi sendo bloqueada pelo tratamento e, portanto, a perda óssea foi minimizada”, avaliou Fukada
Segundo a pesquisadora, a molécula testada como antagonista do receptor de quemerina ainda é de uso experimental. “Agora precisamos estudar o efeito de quemerina em osteoclastos humanos para descobrir se conseguimos o mesmo efeito”, disse.
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