Uma forma de informar, eternizar um momento, contar uma história… Esse é o poder da fotografia que, além desses objetivos, consegue, a partir do olhar minucioso do fotógrafo, emocionar e provocar reflexões em quem admira suas imagens. E pensar que tudo isso só foi possível a partir do dia 19 de agosto de 1839, o Dia Mundial da Fotografia.
A invenção traz as técnicas de luzes, ângulo, enquadramento, mas, para quem fotografa, a sensibilidade é algo sempre maior: “o resultado de um relacionamento, do modo de escutar as pessoas”. É assim que o fotógrafo Gilucci Augusto enxerga o seu trabalho. E foi essa experiência que ele obteve produzindo sua dissertação de mestrado: “A poética da imagem fotográfica a partir do imaginário das mulheres do Quilombo Kaonge”, para o programa de Pós-Graduação em Desenho, Cultura e Interatividade, na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Na dissertação que defenderá amanhã (20), Gilucci conta uma parte da história, da cultura e do cotidiano do Quilombo Kaonge, localizado em Cachoeira, na Bahia, que exerce uma liderança importante na região da Bacia e Vale do Iguape. Através dos registros fotográficos, Gilucci retrata a história da matriarca do quilombo, Juvani Viana, que também é Ialorixá do terreiro de Umbanda ‘21 Aldeia de Mar e Terra’, e de toda família, além de indagar sobre como elas se percebem nas fotografias produzidas por ele.
O questionamento de como essas mulheres se vêem nas fotos foi o ponto inicial para desenvolver a dissertação de mestrado, por conta da experiência vivida em uma viagem na região da Bacia e Vale do Iguape, que é uma região quilombola situada no Recôncavo. “Fui presentear uma marisqueira, esposa de um amigo pescador e, ao ver a imagem não gostou, repudiou. Era uma fotografia com a imagem dela mariscando dentro do mangue, com roupas de marisqueira. Quando cheguei no mestrado, comecei a pensar sobre isso: o que condena essa imagem? Tive essa ideia de fotografar essas mulheres e perguntar como enxergam a fotografia, o que elas gostam e não gostam”.
Na busca das respostas, Gilucci conheceu o Quilombo Kaonge. As fotografias produzidas têm um caráter documental etnográfico. “Tento compreender essas narrativas da mãe, da matriarca, das mulheres, seguindo o poético. E também como elas se vêem na fotografia”, conta. Gilucci completa que, no caso no quilombo, as mulheres se sentem representadas. “Elas compreendem o cotidiano delas: catando caranguejo, cozinhando, amassando folhas para preparar o peixe, os rituais da religião, trabalhando. São imagens de afirmação da identidade delas, de mulher negra, quilombola e do todo o legado ancestral afrobrasileiro”.
Quem são as mulheres do Quilombo Kaonge nas fotos?
São mulheres negras quilombolas que valorizam a sua ancestralidade e constroem lutas, conhecimentos contribuindo para a sociedade brasileira. Uma delas é a administradora, Rosane Viana Jovelino, ativista Quilombola, membro do Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape e do Núcleo Produtivo de Ostra.
Para Rosane a proposta de Gilucci para a pesquisa de mestrado foi muito importante. “Percebi que poderia ser uma oportunidade excelente e positiva de valorizar a nossa cultura, raça e identidade, enquanto mulher negra e quilombola. Inclusive de quebrar esse estereótipo imposto pela nossa sociedade e também o quanto poderia desconstruir essa posição de inferioridade que é conferida à população negra, a mulher negra de um modo geral”.
A ativista conta que a foto tem esse poder de revelar a força da mulher negra, dos saberes que movimentam o dia a dia da comunidade e da ancestralidade que marcou a história fortemente. “Foi algo que mexeu muito comigo porque a gente vive um processo de muita luta contra o racismo que nos coloca na marginalidade e, portanto, impede de exercer os nossos direitos, além de também nos impedir de estar em um espaço de igual para igual. Então, a gente luta pelo direito à igualdade”, conta a filha da matriarca e Ialorixá, Juvani Viana.
Quando a fotografia falou mais alto que a gastronomia
E quem diria que Gilucci fosse se encantar pela fotografia. Ele nem sonhava que se sentiria tão atraído pela câmera e lentes, pois era cozinheiro profissional há 13 anos com carreira consolidada em Buenos Aires e São Paulo.
A guinada da cozinha para o mundo das fotos começou com o desejo de escrever um livro sobre a história da gastronomia do recôncavo baiano. “Queria conhecer Cachoeira, Santo Amaro, São Félix, o Iguape, que não conhecia. O que tem em comum no recôncavo é a produção do dendê, farinha de mandioca, mas a produção é diferente, então eu queria entender um pouco sobre essas especificidades”, conta o fotógrafo.
Porém, Gilucci não tinha como custear a viagem inteira e também o trabalho de um fotógrafo. Então, comprou uma câmara fotográfica, realizou o curso do Pronatec de Fotografia, fez um MBA em Comunicação e Semiótica e, atualmente, é mestrando bolsista da CAPES. Seu último trabalho fotográfico individual foi ano passado com a mostra “Corpus et Spiritus”, na galeria Acbeu. “Não cozinho mais, hoje só quero viver de fotografia”, resume, antecipando planos de realizar uma exposição e um livro sobre a serie fotográfica produzida no seu mestrado.
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