Ameaçada pela IA, dublagem brasileira pode ser salva por regulação no setor
“Oi! Eu não sou o Goku”, mas provavelmente você lembra da voz do Wendel Bezerra, dublador que durante muito tempo foi, e por vezes ainda é, a voz por trás do icônico protagonista do anime Dragon Ball. Façamos assim: feche os olhos e tente lembrar da voz usada na dublagem de uma personagem de filme, desenho ou anime que te marcou. Nostálgico, não? Pois é, mas infelizmente essa voz que provavelmente representa uma personagem importante para você pode está ameaçada.
A questão é complexa e o debate é abrangente, tanto que tem preocupado muitos dubladores e demais profissionais que atuam no mercado audiovisual no Brasil e no mundo. A “substituição de vozes” humanas por Inteligência Artificial é um medo que tem crescido e afetado os profissionais da dublagem.
Bem fundada, a preocupação que recai sobre o setor tem levantado a necessidade de regulação afim de proteger mais do que postos de trabalho. Parte da identidade cultural do país, a dublagem brasileira conta com trabalhos bem quistos no mundo e ocupa um lugar de destaque como um exemplo de diversidade e adaptação.
Com inúmeros sotaques, tons de voz, gírias e costumes, o nosso trabalho de localização faz parte de uma identidade coletiva nacional. Ao mesmo tempo, essa dublagem busca respeitar valores, etnias e demais regionalismos em suas adaptações, o que também merece ser destacado.
Em busca de uma regulamentação para a dublagem
Preocupados, dubladores brasileiros uniram forças em um movimento em busca de regulamentação para o uso de IA em jogos, filmes, séries e outras produções audiovisuais. O receio é que sistemas de IA possam substituir artistas, replicando vozes com base em padrões identificados na internet.
A United Voice Artists (UVA), uma coalizão global de associações de dublagem, lidera uma petição que já angariou mais de 100 mil assinaturas (clique aqui para aderir também). No Brasil o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo (Brasil) – SATED-SP e a Campanha Dublagem Viva, representam as vozes do setor na UVA.
O objetivo desse movimento é impedir a substituição de dubladores humanos por robôs. O debate sobre limites para o uso de IA em produções audiovisuais é global e foi uma das principais razões para a greve de atores em Hollywood no ano passado, a segunda mais longa da categoria.
PL pode ajudar a regulamentar a presença de IA na dublagem no Brasil
Marcelo Mattoso, sócio do Barcellos Tucunduva Advogados e especialista em Mercado de Games e eSports, sugere a possibilidade de um projeto de lei (PL) para ajudar a regulamentar a questão. “A ideia central desse movimento não é proibir o uso da IA, mas sim garantir a qualidade das dublagens, que se mantém com a permanência dos profissionais desse setor”, pontua.
O especialista aponta que demandas como “a proibição da utilização da IA para replicar vozes dos atores; que a IA seja utilizada em conformidade com a lei de direitos autorais; que a IA não seja utilizada com fins de disseminação de conteúdos estereotipados ou que contenha qualquer tipo de descriminação ou preconceito; e que a regulamentação seja feita após ouvir os profissionais do setor, especialistas e toda a sociedade civil” poderiam ser contempladas num eventual PL.
Pesquisas apontam que 80% dos brasileiros preferem a versão em português da produção audiovisual. Para Marcelo Mattoso, mesmo com essa preferência, sem uma lei, nada garante que os dubladores continuem tendo protagonismo. “Sem a regulamentação nada garante que os estúdios não utilizem a IA para as dublagens. Do lado do consumidor, é imprevisível como o mercado irá reagir, até pelo fato de que a IA consegue simular dublagens bem próximas às originais feitas pelos dubladores”, alerta.
Enquanto uma regulamentação que possa de fato proteger e resguardar os trabalhadores do setor não é aprovada pela união, iniciativas como a petição levantada pela UVA e pela campanha Dublagem Viva seguem angariando assinaturas em favor dos profissionais da dublagem. Caso queira, você pode aderir ao petição e mostrar seu incentivo a dublagem brasileira.