Decisão do STF pode atrasar autorizações judiciais para plantio de cannabis medicinal
Descriminalização do porte de maconha traz novos desafios para pacientes e advogados na obtenção de Habeas Corpus.
A recente descriminalização do porte de maconha para uso pessoal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poderá complicar a concessão de Habeas Corpus (HC) para pacientes que cultivam cannabis para a produção de CBD.
Ladislau Porto, advogado especialista em Direito Canábico e membro consultor do Conselho Federal da Comissão de Cannabis Medicinal da OAB, explica: “A concessão de um salvo-conduto visa proteger o cidadão de ser criminalmente responsabilizado pelo plantio de maconha. Com a decisão do STF de que isso não é mais crime, o juiz da Vara Criminal pode entender que não cabe a concessão de um HC e que o caso deve ser tratado pela Vara Cível”.
Porto destaca que essa mudança pode resultar em um atraso maior para que a Justiça assegure o direito dos pacientes de produzirem seu próprio óleo. “A autorização via HC tem preferência na Justiça Criminal. Sem essa possibilidade, a tendência é que a análise desses pedidos de autorização demore, o que aumentará a insegurança jurídica dos pacientes e poderá comprometer o tratamento”, afirmou o advogado.
O número de pacientes que recorrem à Justiça para conseguir autorização para o plantio de cannabis medicinal no Brasil tem aumentado anualmente. “Isso ocorre porque é muito mais barato produzir o próprio óleo do que importar ou comprar nas farmácias”, explica Porto.
O crescimento do uso medicinal da cannabis foi de 130% no último ano. “Medidas como essa impactam significativamente o acesso ao tratamento. É inaceitável que, com tantas evidências científicas, o uso medicinal da cannabis ainda não tenha sido regulamentado”, enfatiza.
Outro problema apontado pelo especialista é que as Varas Cíveis, além de terem uma demanda maior de processos, não analisam pedidos individuais desse tipo. “Os advogados que atuam no setor de cannabis medicinal terão que encontrar uma maneira de garantir o direito dos pacientes”, declara Porto.
Embora o plantio e consumo de maconha ainda sejam proibidos, pessoas flagradas com plantas continuarão a ser levadas para a delegacia, onde assinarão um Termo Circunstanciado e terão as plantas apreendidas. Portanto, a autorização continua necessária para evitar a perda da produção ou a condução à delegacia. “Além disso, a quantidade de plantas necessárias para a produção de óleo de CBD geralmente excede o limite de 6 plantas estabelecido pelo STF”, detalha Porto.
Sem motivos para comemorar
Um dia após a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, o STF definiu que a posse de até 40 gramas de maconha ou de 6 plantas fêmeas deve ser considerada para diferenciar usuários de traficantes. Porto avalia que a decisão representa um avanço tímido e insuficiente para resolver o problema do encarceramento da população preta e pobre, bem como a superlotação do sistema prisional brasileiro.
Os ministros do STF destacaram que a autoridade policial e judicial deve avaliar cada caso com base na “presunção relativa”. Isso significa que, mesmo com menos de 40 gramas, se houver elementos que indiquem intenção de venda, como balança ou caderneta com anotações, a pessoa pode ser enquadrada por tráfico. “A quantidade será importante, mas o juiz pode considerar outros elementos, o que mantém a subjetividade no julgamento e, portanto, o risco de prisões arbitrárias baseadas no racismo estrutural”, observa Porto.
Decisão gera pouco impacto
Porto afirma que a possibilidade de revisão dos processos e das prisões, apontada como um dos efeitos da medida para reduzir a população carcerária, será limitada pela análise das circunstâncias em que a pessoa foi flagrada. “Segundo pesquisa do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, entre 2010 e 2020, 31 mil pessoas pardas e pretas foram enquadradas como traficantes em situações em que brancos foram tratados como usuários. Em tese, as mudanças propostas pelo STF terão pouco impacto sobre essa realidade”, comenta Porto.
Ameaça do Congresso
Porto alerta para um problema significativo na decisão dos ministros: o STF estabeleceu essas normas até que o Congresso Nacional legisle definitivamente sobre o tema. “O problema é que o Congresso está avançando com uma PEC para criminalizar o uso, o que fere preceitos constitucionais e contraria frontalmente a decisão do STF. Essa questão fatalmente voltará ao Supremo. Isso reflete um embate que, em vez de ser pautado pela ciência, é conduzido por disputas políticas baseadas na desinformação e em interesses eleitoreiros”, critica Porto.