Especialistas afirmam que gafes expõem um Lula desatento a pautas atuais no país
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que está habituado a fazer discursos e pronunciamentos improvisados, tem se tornado alvo de críticas até mesmo de apoiadores por gafes cometidas em declarações referentes a temas caros à esquerda. Porém, se de um lado Lula entra na mira de grupos ligados a pautas identitárias e entidades de direitos humanos, de outro integrantes do governo buscam minimizar falas controversas por exemplo as sobre a escravidão e as de tom gordofóbico que o têm deixado em frequentes saias-justas.
Os especialistas avaliam que o perfil espontâneo expõe um presidente autêntico, mas desconectado das atuais demandas sociais. A mais recente, nesses primeiros nove meses de governo, ocorreu na última terça-feira (26), quando Lula afirmou a jornalistas, às vésperas da cirurgia no quadril, realizada na última sexta-feira (29), que despacharia do Palácio da Alvorada, porque não queria ser visto de andador ou muleta: “Vocês vão me ver sempre bonito como se eu não tivesse operado”.
Vale destacar que os marqueteiros e especialistas apontam que as declarações de Lula devem ser compreendidas no contexto político e cultural da formação do petista, que iniciou na vida pública ainda durante a ditadura militar, mas não podem ficar distantes de questões contemporâneas. “A adaptação é uma forma de sobrevivência. E hoje Lula está buscando falar com uma esquerda com a qual ele conviveu muito até 2010. Passaram-se 13 anos desde então e uma série de pautas foram revistas. Ele se desconecta da esquerda mais contemporânea. Que passou a ver ruídos na comunicação”, afirma o marqueteiro Marcelo Vitorino.
Além disso, as críticas após o comentário da última semana, interpretado como capacitista, somaram-se a outras. Em março, o presidente afirmou que “uma coisa boa” da escravidão foi a miscigenação no Brasil. Quatro meses depois, em viagem ao continente africano. Ele afirmou ter “profunda gratidão” aos países de lá por tudo o que foi produzido em território brasileiro durante o período de escravidão.
Entenda as falas ‘problemáticas’ de Lula
No mês de março, Lula (PT) realizou uma associação que foi classificada como gordofóbica sobre a a forma física do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Lula afirmou que a obesidade “causa tanto mal quanto a fome” e, por isso, o titular da pasta teria começado a andar de bicicleta. No mês seguinte, o petista se referiu a pessoas com transtornos mentais como quem tem “problema de desequilíbrio de parafuso”.
Mesmo reconhecendo o “deslocamento” de Lula, o marqueteiro Renato Pereira, que atuou na campanha de Marcelo Freixo ao governo do Rio, acredita que as falas do petista são consequência de improviso e autenticidade. Esta, avaliada como uma das maiores “virtudes” do presidente: “Se ele passasse a ter uma linguagem modulada e polida, ele se distanciaria de sua base, que é a classe popular”, afirmou.
Numa tentativa de minimizar as colocações de Lula, ministros passaram a atuar como “bombeiros”. Em julho, o titular da pasta de Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que uma das falas sobre escravidão era uma tentativa de o petista fazer uma reparação. “O que o presidente disse foi: ‘O Brasil tem uma dívida com África e ela tem que ser paga’. E por isso o presidente tem insistido que a agenda de direitos humanos com a África envolva o chamado direito ao desenvolvimento”.
De acordo com o Vitorino, essa blindagem pode estar contribuindo para que o presidente não queira rever posições: “Toda vez que alguém do entorno passa a mão na cabeça dele e fala que ele pode falar e desdizer, isso não colabora para que ele queira se atualizar”.