CNDH aponta graves violações na Operação Escudo e pede que governo de SP encerre a ação

Até agora, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) reuniu ao menos 11 relatos de violações dos direitos humanos durante a Operação Escudo, na Baixada Santista, que matou 24 pessoas de 28 de julho. Através disso, o Conselho recomendou ao governo de São Paulo, sob a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), que encerre a operação e apresente, em até 20 dias, esclarecimentos sobre as circunstâncias das mortes em decorrência da intervenção policial.

As testemunhas relataram casos de execução, pessoas de outras regiões sendo levadas para serem mortas onde ocorria a operação, invasão de casas, omissão de socorro médico, ausência de câmeras ou identificação nas fardas e morte de moradores de rua. O CNDH ainda pede que o governo explique, também em até 20 dias, sobre a não utilização de câmeras corporais por policiais durante a operação.

Teve início no dia 28 de julho a Operação Escudo, realizada pela Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP) um dia após a morte do soldado das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) Patrick Bastos, no Guarujá. Inicialmente, o governo tinha dito que ela duraria cerca de um mês, mas na última segunda-feira (28), o chefe da assessoria militar da Secretaria, Pedro Luis de Souza Lopes, afirmou que ela continua por tempo indeterminado.

De acordo com a SSP através de uma nota divulgada, as mortes decorrentes de intervenção policial estão sob investigação do Deic de Santos, com apoio do DHPP, e que todas as 24 foram resultados de confrontos. O CNDH foi provocado pela Anistia Internacional e outras entidades de direitos humanos a apurar as denúncias de violações durante a operação. O objetivo do CNDH era debater o conteúdo do relatório divulgado nesta sexta-feira (1) com o governo de São Paulo na semana passada.

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Uma reunião foi marcada entre o CNDH, outras entidades, com o secretário da Segurança, Guilherme Derrite, mas em cima da hora ele cancelou. Também foi solicitada uma reunião com o governador Tarcísio, porém até agora não houve retorno. O CNDH narra através do relatório que com a ajuda da líder das Mães de Maio, Débora Maria da Silva, conseguiu contato com familiares das vítimas da operação, testemunhas e líderes comunitários, que foram ouvidos no dia 14 de agosto.

Confira os 11 relatos de violações dos direitos humanos

  • O primeiro relato é sobre um jovem que recebeu dois tiros, mas sobreviveu. Segundo o relatório, ele ficou mais de quatro horas sem ser socorrido. “O SAMU não chegava no local. No hospital, não forneceram informações à assistente social da Defensoria Pública nem aos familiares. Ainda com um dreno no corpo, ele foi retirado por agentes do estado do hospital e levado para o Quinto Distrito Policial. De lá, ele foi conduzido para a CDP de São Vicente. Ele ainda está com um projétil no corpo e, até aquele momento, não havia notícia de que tenha sido realizada tomografia.”
  • O segundo relato diz respeito ao caso de um jovem que foi morto no Bairro da Jabaquara, em Santos, com um cachorro. Ele estaria dormindo na casa de um vizinho quando os policiais entraram e o executaram próximo da cama. As notícias são de que esse jovem foi morto pela manhã, mas a perícia só foi realizada no fim do dia.
  • O terceiro relato indicou invasões de domicílio, sem ordem judicial, no morro do São Bento, em Santos. Citou-se como exemplo o caso de atiradores de elite que invadiram a laje de uma casa, onde havia jovens e crianças. As forças de segurança proibiram a manutenção e destruíram as câmeras particulares que as pessoas do bairro mantinham nas portas de suas casas por segurança. Foi dito literalmente: “ninguém no morro pode ter câmera de monitoramento”.
  • O quarto relato narrou o caso do Jefferson Junio, um jovem que se encontrava em situação de rua na cidade de São Paulo, nas proximidades da Rodoviária do Tietê. Ele não morava no bairro da Prainha, em Santos, onde teria sido executado. A suspeita é de que ele tenha sido conduzido para a comunidade da Prainha, exclusivamente para se ali executado. Circulou a informação de que dias antes de ser morto, ele teria recebido sessenta reais e realizado saque com sua digital na Rodoviária do Tietê. Ele não tinha RG e, por isso, fazia os saques com a sua digital. A narrativa apresentada pela polícia é a de que ele teria sido encontrado com arma de fogo e com grande quantidade de droga, o que é incompatível com a situação de rua e de absoluta miséria em que ele vivia. Não há registro que ele tivesse antecedentes criminais.
  • O quinto relato também se refere à região da Prainha. No dia 29 de julho de 2023, no período da noite, começaram circular policiais encapuzados, sem câmeras corporais, na região. Usaram drones e helicópteros. Esse relato se concentrou em elencar casos de invasão de domicílios sem ordem judicial e de destruição de barracos com atuação truculenta dos policiais.
  • O sexto relato apresentou a situação no Jardim São Manoel. Durante a Operação Escudo, a polícia teria detido duas pessoas e as levado para uma viela. Depois de duas horas, essas pessoas saíram todas ensanguentadas. Os policiais desceram sem câmera e com mãos enfaixadas como na mesma forma utilizada por lutadores. Afirmou-se, ainda, que, no sábado, a polícia esteve de novo na comunidade, ocasião em que teriam quebrado novamente telefones.
  • O sétimo relato narrou o contexto de interesses empresariais e imobiliários na região de Santos. Uma empresa, por exemplo, teria interesse no território da comunidade “Alemoa”. Acredita-se que há uma ligação entre a violência e os interesses empresariais. Relatou-se também a realização desocupações forçadas por guardas municipal, sem ordem judicial.
  • O oitavo relato observou que os policiais que estavam morrendo na Baixada Santista eram policiais aposentados. Também foram suscitadas dúvidas sobre as condições da morte do policial (ex.: o tiro foi realizado de uma longa distância, mas a bala encontrada era de uma pistola).
  • O nono relato trouxe informações de que a Guarda Civil Municipal (GCM) estaria participando as operações, atuando com desvio de função.
  • O décimo relato apresentou a realidade da comunidade de Morrinhos Quatro. Muitas pessoas que foram mortas não possuíam sequer registro de antecedentes criminais. Não houve investigação ou direito ao contraditório. Eles foram executados sumariamente. Ouvia-se dos policiais, com frequência, na comunidade, a frase “se a gente pegar com passagem, vai para a vala”. De acordo com a pessoa ouvida pela comitiva do CNDH, as pessoas de uma comunidade estariam sendo levadas para outra comunidade para aí serem executadas. Afirmou-se, ainda, que os policiais estariam matando pessoas inocentes, sem indício de confronto. Foram relatados os casos de dois ajudantes de pedreiro e de um pastor, mortos em decorrência da ação policial na Operação Escudo. Segundo a pessoa ouvida pelo CNDH, a polícia tem utilizado o seguinte método: primeiro, entram com uma equipe batendo nas portas e mandando as pessoas entrarem nas casas. Depois, com a vielas sem ninguém, trazem as vítimas, que são ali executadas. Esse foi o caso do Felipe e de um outro indivíduo que não era da comunidade. Um novato da Rota foi “batizado”. Pessoas da comunidade relataram ter ouvido um policial que seria mais experiente haver ordenado o policial mais novo atirar e executar uma das pessoas. Relataram, ainda, ter ouvido comemoração dos policiais logo depois.
  • O décimo primeiro relato discorreu sobre os casos na Vila Baiana. Nessa comunidade, há um conjunto de moradias bem precárias em local que as pessoas denominam como Pantanal. Foi dito que a ação policial, nessa região, começou cedo. Ouviram muitos gritos e tiros. A pessoa ouvida pelo CNDH soube, então, que a vítima se tratava de uma pessoa em situação de rua que foi executada lá. Os policiais usavam capuz. Poucos usavam farda com identificação do nome. Essa pessoa disse que a viatura da polícia entra em alta velocidade na comunidade. Na sequência, uma equipe de policiais percorre as ruas dizendo “ninguém sai”. As pessoas entram em suas casas. Foi, nesse momento, que ela escutou os tiros.

Foi concluido através do CNDH que os “relatos colhidos indicam graves excessos no uso da força e execuções sumárias com disparo de armas de fogo.” O relatório ainda menciona que o Protocola de Minnesota, da ONU, deve ser seguido para orientar investigações sobre mortes suspeitas, garantir a responsabilidade por violações do direito à vida e trazer verdade, justiça e reparação para as famílias das vítimas.

Recomendações do CNDH ao governo de SP

  • Interromper imediatamente a Operação Escudo, considerando o decurso de mais de 30 dias da operação, a intolerável taxa de letalidade e os relatos de violações de direitos humanos
  • Apresentar, em até 20 dias, plano de ação da Operação Escudo, com esclarecimentos sobre as circunstâncias das mortes de civis em decorrência da intervenção policial
  • Apresentar, em até 20 dias, relatório detalhado de cada dia da Operação Escudo, contendo informações sobre objetivos, horários, comandantes, batalhões e CIA, armamentos utilizados, vítimas, detidos e outras informações relevantes
  • Fornecer, no prazo máximo de 20 dias, a cadeia de custódia das câmeras de todos os policiais envolvidos na operação, abrangendo o dispositivo físico, informações coletadas, armazenamento, arquivamento, downloads e qualquer outra informação relevante para o resguardo das filmagens.
  • Fornecer, no prazo máximo de 20 dias, explicações sobre a não utilização de câmeras corporais por policiais alocados em batalhões que compõem o Programa Olho Vivo.
  • Investigar, em regime de urgência, os crimes de ameaça praticados contra o Ouvidor da Polícia do estado de São Paulo, fornecendo, no prazo de 15 dias, informações sobre o resultado desses inquéritos
  • Garantir medidas de segurança, com escolta 24 horas por dia, e condições de trabalho adequadas ao Ouvidor das Polícias para que ele possa continuar a conduzir seu trabalho de maneira eficaz e segura
  • Cumprir o disposto no art. 2º, VI, da Lei Complementar do estado de São Paulo nº 836/97, garantindo o fornecimento imediato das informações requisitadas pelo Ouvidor da Polícia do estado de São Paulo, especialmente as imagens das câmeras corporais usadas por policiais
  • Realizar a investigação das mortes em decorrência de intervenção policial de maneira transparente e independente, com a participação de órgãos externos, familiares das vítimas e entidades de direitos humanos, a fim de assegurar imparcialidade e eficácia nas apurações, seguindo padrões internacionais como o Protocolo de Minnesota, apoiando também as investigações do Ministério Público
  • Assegurar a autonomia da perícia técnico-científica para atuar de maneira imparcial em todos os casos de denúncias de violações de direitos humanos apresentados como decorrência da Operação Escudo
  • Garantir proteção e amparo socioassistencial do Estado às testemunhas e familiares das vítimas, assegurando sua segurança contra represálias ou ameaças e facilitando seu acesso ao devido processo legal
  • Garantir o uso obrigatório de câmeras corporais por todos os agentes envolvidos em outras operações policiais, particularmente nos Batalhões de Ações Especiais da Polícia (BAEP), assegurando o registro de suas condutas
  • Assegurar, nos casos de operações policiais que resultem em violação à integridade física de civis, acesso imediato às imagens ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à Ouvidoria das Polícias e aos demais órgãos de controle
  • Apresentar, em 20 dias, protocolo detalhado para o uso de equipamentos especiais em operações policiais em áreas sensíveis, com ênfase na segurança das/os cidadãs(ãos)
  • Apresentar, em 20 dias, protocolos de segurança para evitar operações em áreas sensíveis como escolas e instituições de saúde, preservando o bem-estar da comunidade
  • Garantir a presença obrigatória de socorristas e ambulâncias nas operações, para atender a eventualidades e prestar socorro adequado às vítimas
  • Apresentar, em até 20 dias, plano de medidas específicas para proteger grupos vulneráveis, evitando a vitimização desproporcional de crianças, adolescentes, pessoas negras e minorias
  • Garantir reparação integral às famílias das vítimas, incluindo restituição, indenização, reabilitação e medidas de não repetição
  • Reconhecer as violações de direitos humanos ocorridas durante a chacina e emitir, em até 20 dias, um pedido público de desculpas às vítimas e a seus familiares

O Conselho faz recomendações para á Polícia Civil de SP, entre elas como “promover investigação minuciosa das mortes decorrentes de intervenção de policiais militares da Operação Escudo”, às Prefeituras do Guarujá e de Santos: “proibir a utilização de guardas civis municipais com desvio de função na Operação Escudo e em outras operações policiais semelhantes e coibir a prática de remoções forçadas e de destruição de casas e barracos sem ordem judicial.”

Para o Ministério da Justiça, o Conselho pede que coordene iniciativas que busquem engajar todos os estados para buscar meios de reduzir a letalidade policial, além de apoiar órgãos de segurança pública para ampliar o uso de câmeras corporais. Já ao Ministério dos Direitos Humanos, o Conselho pede que “apoie o Programa Estadual de Proteção de Vítimas e Testemunhas e fiscalize os processos de admissão de beneficiários em decorrência da Operação Escudo, fornecendo ao CNDH, no prazo máximo de 20 dias, relatório com as medidas que foram adotadas pelo Órgão Executor do Programa Estadual para facilitar as medidas de proteção para vítimas e testemunhas das condutas praticadas por policiais durante a Operação Escudo”.

Para finalizar, ao Ministério da Igualdade Racial, o conselho pede para “acompanhar, diante do elevado número de morte de jovens negros por agentes de segurança pública, a apuração dos fatos, contribuindo para a efetivação dos planos de redução da letalidade policial e para a implementação de ações de combate e superação ao racismo estrutural e institucional no estado de São Paulo”.

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