Justiça determina que Rappi assine as carteiras de trabalho de seus entregadores
A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), com sede em Porto Alegre, reconheceu o vínculo empregatício de milhares de entregadores da empresa Rappi Brasil Intermédio de Negócios. Decisão passa a valer para todo o Brasil.
Para quem não conhece, a plataforma do Rappi funciona através de um aplicativo, onde os clientes pedem entregas, geralmente de alimentos, e recebem em casa, por meio de motoristas e motociclistas autônomos que prestam serviços à empresa.
Para os magistrados, ficou claro nos autos que a Rappi impõe disciplina, ordens e obriga o cumprimento de carga horária pelos entregadores, que atuam para restaurantes cadastrados na plataforma. Algumas normas citadas, são a proibição de falar gírias durante a prestação do serviço. Detalhes de como acondicionar os alimentos e uso de vestimentas exigidas. De acordo com o tribunal, os entregadores eram obrigados a pegar no mínimo pelo menos três pedidos solicitados por aplicativo. O que obriga o cumprimento de carga horária.
Segundo o entendimento da turma, quem não obedecesse às regras era punido, com menos acionamentos, o que resultava em diminuição da renda. A decisão determina que a Rappi deve assinar carteira de trabalho de entregadores em todo o país. Além de pagar multa equivalente a 1% do faturamento da empresa no Brasil em 2022, a título de danos coletivos.
“A atuação da reclamada no mercado utilizando, para a realização das entregas que se propõe a fazer ao público que atende, de trabalhadores desamparados da rede de proteção formada pelo direito do trabalho e seguridade social. Conquanto revestida de ares de modernidade e futurismo. Configura-se numa verdadeira tentativa de volta a um passado onde os trabalhadores sofreram muitíssimo“, destaca um trecho do acórdão.
“A história já demonstrou que o abandono dos trabalhadores, frente à força irrefreável do capital, é fonte perene de conflitos que nenhum bem trazem à sociedade. Para além da situação dos trabalhadores entregadores que prestam serviços à reclamada. Porém, deve-se considerar atingidos pela conduta dela também os trabalhadores que prestam serviços semelhantes para outros empregadores, vez que estes últimos. Em disputa de mercado com a ré, estarão tentados a buscar condutas que também redundem no barateamento da contratação da mão de obra“, completa a decisão.
Cabe recurso da sentença, tendo em vista que ocorreu em segunda instância. A Rappi por sua vez informou que vai recorrer da decisão. E que está aberta para contribuir com eventuais propostas sobre a relação entre empresas de aplicativo e entregadores.
“A Rappi informa que vai recorrer à decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, pois não concorda com a decisão proferida. O STF e o STJ já possuem diversas decisões contrárias à que apresentou o Tribunal. Além disso, há debates vigentes a respeito da relação entre entregadores e plataformas, no qual estamos colaborando ativamente com o GT que discute o assunto. Evidenciando a não sustentação da decisão. Estamos disponíveis ao diálogo e para contribuir com eventuais propostas que venham a surgir. Tanto na Câmara Municipal quanto no Congresso Nacional“, destaca a nota da Rappi.
Critérios para contratação pelo Rappi
Após a decisão da última quarta-feira (11), foi definido os critérios para contratação pelo Rappi: todo trabalhador que tiver prestado serviço por, no mínimo, seis meses, entre os anos de 2017 e maio de 2023, e, cumulativamente, que tenham feito no mínimo três entregas, em três meses diferentes, devem ser contratados.
Segundo o desembargador-relator, Paulo Sergio Jakutis, os autos não demonstram a atuação autônoma dos entregadores, já que tinham regras sobre como se portar. Como realizar o trabalho e como se vestir. O magistrado destacou também que os trabalhadores são ininterruptamente fiscalizados. Atuando sob constantes ameaças de sanções, como advertências, diminuição dos acionamentos (que equivale a redução salarial) ou desligamento.
Histórico e situações semelhantes
Essa não é a primeira vez que uma dessas big techs é condenada pela Justiça brasileira. No mês passado, uma decisão da 4ª Vara de Trabalho de São Paulo condenou a Uber a reconhecer o vínculo empregatício de todos os seus motoristas. A decisão tem abrangência nacional e vale para todos que dirigem pelo aplicativo no país. A plataforma também foi condenada a pagar R$ 1 bilhão de danos morais coletivos. A sentença veio em resposta à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de São Paulo em 2021.
“O poder de organização produtiva da Ré sobre os motoristas é muito maior do que qualquer outro já conhecido pelas relações de trabalho até o momento. Não se trata do mesmo nível de controle, trata-se de um nível muito maior, mais efetivo. Alguns trabalhando com o inconsciente coletivo dos motoristas, indicando recompensas e perdas por atendimentos ou recusas, estar conectado para a viagem ou não”, afirma a sentença do juiz do Trabalho titular, Maurício Pereira Simões.
A Uber, em nota, afirmou que vai recorrer da decisão e que não “vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados”.
Para a Uber, a “decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho”.