Apostas esportivas pressionam orçamentos das classes D e E no Brasil
Ione Amorim, economista do Idec, adverte sobre a gravidade da crise provocada por apostas, destacando suicídios, destruição de lares e endividamento, agravados por álcool e outras drogas.
O aumento expressivo dos gastos com apostas esportivas online está impactando o consumo de produtos e serviços essenciais, especialmente entre as classes D e E, de menor poder aquisitivo. Segundo a consultoria PwC Strategy& do Brasil, esse fenômeno tem prejudicado a percepção de melhorias na economia, afetando diretamente a renda disponível, o crescimento da ocupação e o controle da inflação.
O economista e advogado Gerson Charchat, sócio da Strategy&, aponta que os gastos com apostas esportivas “já superaram outras despesas discricionárias, como lazer, cultura e produtos pessoais, e estão começando a influenciar até mesmo o orçamento destinado à alimentação.” Ele destaca que essa mudança no padrão de consumo gera uma pressão significativa na demanda por produtos essenciais, alterando a dinâmica econômica do país.
As apostas esportivas ganharam força no Brasil após a aprovação da Lei nº 13.756, em dezembro de 2018, que regulamentou a modalidade de apostas de quota fixa. Desde então, os gastos com apostas cresceram impressionantes 419%, de acordo com dados da PwC Strategy&. Em 2018, esses gastos representavam 0,27% do orçamento familiar das classes D e E; em 2023, esse percentual saltou para 1,98%, um aumento de quase quatro vezes em cinco anos.
Charchat alerta que esse crescimento expressivo das apostas esportivas se tornou uma fonte significativa de gastos entre os jovens das classes mais baixas, o que pode contribuir para o aumento do endividamento e, consequentemente, gerar impactos negativos para o crescimento econômico do Brasil. Ele acrescenta que a percepção de dificuldades financeiras cresceu entre a população, com um quinto dos brasileiros enfrentando dificuldades para pagar suas contas mensais.
Apesar da falta de dados precisos sobre o número de empresas que operam no setor e o volume de dinheiro movimentado, espera-se que esses números sejam conhecidos após as plataformas de apostas receberem autorização do Ministério da Fazenda para operar comercialmente e começarem a recolher tributos.
Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) revela que 64% dos apostadores utilizam parte de sua renda principal para apostar, e 63% admitem que essas apostas comprometem parte de seus recursos. Além disso, 23% dos entrevistados relataram que deixaram de comprar roupas, 19% reduziram gastos com itens de mercado, e 11% cortaram despesas com saúde e medicamentos devido às apostas.
A economista Ione Amorim, consultora do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), alerta que a situação é ainda mais grave, destacando os impactos sociais e de saúde mental que não foram devidamente considerados na regulamentação. “Já estamos vendo casos de suicídio, destruição de lares e endividamento extremo. Pessoas perdem tudo, inclusive o emprego, e acabam recorrendo ao álcool e drogas, o que agrava ainda mais a situação“, disse Amorim, que tem palestrado sobre o tema até para as Forças Armadas.
Amorim critica a falta de educação financeira entre a população mais pobre, o que a torna mais vulnerável a correr riscos em apostas. Ela enfatiza que, embora as apostas pareçam uma forma fácil de ganhar dinheiro, as perdas são frequentes, pois os apostadores estão competindo contra algoritmos programados para maximizar os ganhos das plataformas.
Outro ponto de preocupação é o Projeto de Lei nº 2.234/2022, que tramita no Senado e prevê a legalização de cassinos, bingos e outras formas de jogos de azar em todo o território nacional. Se aprovado, a tendência é que os impactos negativos sobre a economia e a saúde mental da população sejam ainda maiores, especialmente porque esses jogos já vêm sendo defendidos como fontes de emprego e arrecadação para custear políticas sociais. Contudo, até o momento, as plataformas eletrônicas de apostas, em operação desde 2018, ainda não contribuíram com um centavo para a arrecadação fiscal, algo que só deve mudar com a futura autorização do Ministério da Fazenda.
A outorga para exploração comercial dessas atividades será concedida após uma avaliação técnica e legal, mediante o pagamento de R$ 30 milhões à União, com prazo final para obtenção da permissão até o final do ano. Entretanto, os defensores da legalização não levam em conta as perdas tributárias em outros setores e o aumento das despesas públicas com segurança e saúde mental que podem decorrer do crescimento das apostas.
Com informações da Agência Brasil*