Pesquisa da UFRN descobre novo ansiolítico: O calmante que vem do sapo
Pesquisa investiga substância psicodélica extraída de anfíbio como esperança para novo ansiolítico.
Fertilizantes podem estar para jardins, assim como psicodélicos para o cérebro, criando novos caminhos para conexões neurais. Tendo em vista essa capacidade, o artigo Psicodélico serotogenético 5-MeO-DMT altera expressão de gene relacionado à plasticidade e gera efeitos ansiolíticos em ratos com estresse, em tradução livre do inglês, ganhou publicação no periódico especializado Molecular Psychiatry.
Os ansiolíticos são medicamentos que atuam no sistema nervoso central para reduzir a ansiedade e a tensão, e são também conhecidos como calmantes. Estes medicamentos interagem com receptores no cérebro que inibem a atividade das células, levando o paciente ao relaxamento. Os ansiolíticos podem ser utilizados para tratar a ansiedade, a insônia, as crises convulsivas e outros distúrbios mentais.
A pesquisa, realizada por Margareth Nogueira, do Laboratório de Neurodinâmica do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe / UFRN), se aproveita da substância 5-MeO-DMT, encontrada no sapo Bufo alvarius (sapo bufo), para verificar seus efeitos em ratos de laboratório.
O trabalho mostra a possibilidade de gerar efeito ansiolítico com o psicodélico, que chegou a durar cinco dias após a sua aplicação. Além disso, a pesquisa verificou outros mecanismos moleculares envolvendo a substância.
Para realizar o estudo sobre esses mecanismos, Nogueira investigou a expressão de oito genes do organismo dos ratos, observando como se adaptariam à substância, a partir da aplicação do 5-MeO-DMT. São eles: Arc, Zif268, BDNF, CREB, mTORC1, NR2A, TRIP8b e NFkB. Em paralelo a isso, os pesquisadores motivaram estresse agudo nos animais e, logo depois, filmaram os animais no campo aberto e labirinto em cruz elevada — assim, checaram como o psicodélico poderia atuar como ansiolítico e ansiogênico nos organismos.
Na análise dos genes, houve aplicação da técnica de microdissecção por laser (Laser Capture Microdissection). Isso permitiu que fossem investigadas áreas do cérebro do camundongo. Já a técnica do RT-qPCR (que ganhou atenção quando começaram os testes de detecção de covid-19) foi usada para análise do RNA nos camundongos. Margareth Nogueira e Daiane Golbert (Laboratório de Neurodinâmica do ICe) já tinham conseguido progresso com o uso desse método de transcrição reversa e ampliação molecular.
O trabalho contou com a orientação dos pesquisadores do ICe Katarina Leão, do Laboratório de Atividade Neuronal e Audição, e Richardson Leão, do Laboratório de Neurodinâmica. Também colaboraram com o estudo Daiane Golbert (ICe), Richardson Menezes, e Helton Maia (ambos do Laboratório de Automação e Robótica do ECT), Raíssa Nóbrega de Almeida, Nicole L. Galvão-Coelho (ambas do Departamento de Fisiologia e Comportamento da UFRN), Andressa N. Siroky (Departamento de Estatística, DEST, da UFRN) e Thiago Z. Lima (ICe e DEST).
Avanços com o 5-MeO-DMT
O artigo é o primeiro a refutar um aumento geral da plasticidade no cérebro — capacidade de mudança de expressão dos genes, conforme as alterações do ambiente em que vive. Essa característica de adaptação, induzida pelo psicodélico, levou a uma análise sobre o mecanismo de ação da substância, que precisa de mais estudos sobre outras doenças. Por isso, ao falar sobre a plasticidade, Katarina Leão é taxativa. “Estamos mostrando efeitos bem específicos no hipocampo [área do cérebro] e demonstrando que não há um aumento geral de genes relacionados à plasticidade com o uso de 5-MeO-DMT. Portanto, é difícil especular sobre outras condições neurológicas”, expõe a pesquisadora.
Para Richardson Leão, as pessoas põem uma crença em psicodélicos, no geral, como antidepressivos. Segundo o pesquisador, a ação de algumas substâncias psicodélicas opera com poucos receptores no cérebro. “É possível que a substância faça muitas funções mais importantes que interagir com receptores de serotonina”, acrescenta.
Mesmo com esses limites, ao tratar a ansiedade em humanos por meio do uso do psicodélico, existem outras investigações científicas relevantes, incluindo a compreensão dos mecanismos da molécula. “Há uma discussão atual sobre se os psicodélicos precisam causar o efeito agudo, com possíveis alucinações e experiência psicológica, ou se é possível administrar uma droga modificada, não alucinógena, e obter os mesmos efeitos [desejados de ansiolítico]”, explica Katarina.
É preciso mais testes para que se possa fazer tratamentos em humanos com o 5-MeO-DMT. Quando for seguro, aplica-se o ensaio clínico por meio de grupos de controle, o chamado duplo-cego. Nesta fase, um grupo de voluntários recebe a substância com efeitos potencialmente ativos e um placebo, que é inerte. “Um fato interessante sobre o 5-MeO-DMT é que seu efeito agudo (alucinógeno) é bem mais curto do que o de outros psicodélicos”, afirma Katarina. Com isso, a observação de um paciente teria que ocorrer por menos tempo, isso quando for possível estudos com seres humanos.