Sangria histórica do Açude Gargalheiras deixa sítio geológico em evidência
Falha geológica entre duas serras permitiu a formação do reservatório de água, localizado em área do Geoparque Seridó, eleito a 3ª maravilha do Rio Grande do Norte.
Você sabia que o Açude Gargalheiras, no município de Acari, em evidência devido à sangria (transbordamento) histórica, é um sítio geológico (geossítio) de relevância nacional, considerado a 3ª maravilha do Rio Grande do Norte? A área faz parte do Geoparque Seridó, membro da Rede Global de Geoparques da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e já foi estudada pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB).
Com nome oficial de Barragem Marechal Dutra, o Gargalheiras está no Granito de Acari, uma área com rochas que têm mais de 580 milhões de anos, contendo principalmente granitos compostos por fenocristais de k-feldspato, de coloração clara. O reservatório é resultado de uma falha geológica entre as serras das Cruzes e Cambucaia.
“Esse gargalo entre as formações rochosas, por onde passa o Rio Acauã, foi aproveitado para a construção, em 1940, de uma estrutura para barrar a água e permitir o abastecimento de água para a população”, explica o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Marcos Nascimento, coordenador científico do Geoparque Seridó.
São essas características da região que conferem ao Açude Gargalheiras o status de geossítio com interesse geomorfológico, hidrológico e petrológico. Sítios geológicos são ambientes com características geológicas de valor científico, que contam a história evolutiva da Terra.
No volume I do livro Geoparque Seridó, o SGB apresenta o inventário geológico do Geoparque Seridó, com informações sobre o Geossítio Açude Gargalheiras. Além desse projeto, que contribuiu para o reconhecimento da unidade pela UNESCO, o Serviço Geológico do Brasil também desenvolve no local o Projeto Levantamento da Geodiversidade.
Açude Gargalheiras transborda após 13 anos
A barragem tem área total de 780 hectares (equivalente a 41 estádios de futebol do tamanho do Maracanã) e capacidade para acumular 44 milhões de m³. Há 13 anos, o reservatório não enchia o suficiente para transbordar, ou seja, “sangrar”. Com o aumento das chuvas na região, o volume aumentou e isso tem sido motivo de comemorações, devido à importância do açude para a comunidade.
“Quem vem de regiões onde é comum ter muita água disponível talvez não consiga entender a grandiosidade do evento e a alegria destas pessoas, mas de fato o sangramento dos açudes desta região é algo muito significativo para o povo seridoense”, relata a chefe da Residência de Fortaleza (Refo), Maria da Guia, que é natural de Parelhas, município que faz partedo Geoparque do Seridó.
Maria da Guia ressalta que a situação “traz alívio para o fornecimento de água e para a alimentação, pois a água é importante para agricultura, pesca, pecuária e outras atividades”.
Hidrogeologia na região do Açude Gargalheiras
Do ponto de vista hidrogeológico, predomina na região do açude um domínio conhecido como “aquífero cristalino”, com ocorrência muito localizada de aquíferos porosos (aluviões), desenvolvidos ao longo dos riachos principais. “O aquífero cristalino é tido como um aquífero de baixa vocação hidrogeológica, tanto em termos de capacidade produtiva como qualidade das águas”, explica o hidrogeólogo Alberto Ricardo Galvão, do Núcleo de Apoio de Natal, do SGB.
O pesquisador complementa: “Embora de reconhecida má-vocação hidrogeológica, geralmente com águas impróprias para consumo humano, o aquífero cristalino muitas vezes é a solução para o abastecimento de água para uso geral, em inúmeras pequenas comunidades do meio rural e para a dessedentação animal”.
Parte das águas que encheram o Gargalheiras já tinha saído de outro açude do Seridó, o Dourado, localizado em Currais Novos, que começou a sangrar em março deste ano.