A Uber pode falir? Empresa é condenada a contratar motoristas e pagar R$ 1 bi em danos morais
A Uber foi condenada através da Justiça do Trabalho a contratar todos os motoristas ativos em sua plataforma com carteira assinada e a pagar R$ 1 bilhão em danos morais coletivos. A decisão da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, assinada pelo juiz Mauricio Pereira Simões, tem validade em todo o território nacional e foi publicada na última quinta-feira (14).
Em contato com o N10, o advogado Matheus Barcelos Martins afirmou que a condenação da Uber é uma ação civil pública, que é um tipo de ação utilizada para a proteção de direitos de natureza mais coletiva. No caso, o Ministério Público do Trabalho entrou com a ação sob os argumentos de que a relação entre a Uber e os motoristas estaria propositalmente fora dos padrões das normas trabalhistas e que, por isso, há vínculo de emprego e não de autônomo na relação.
Além disso, o juiz estabeleceu que a Uber deve pagar uma multa diária de R$ 10 mil para cada motorista do aplicativo que não estiver registrado. A decisão deverá ser cumprida em seis meses, contados a partir da data em que o trânsito em julgado for publicado e a Uber for intimada para iniciar o prazo. A Uber deverá relacionar todos os motoristas com cadastro ativo na plataforma. Em seguida, vai precisar comprovar a regularização dos contratos de trabalho de 1/6 dos motoristas a cada mês. Até o fim do prazo de seis meses.
Ainda segundo Martins, dificilmente a Uber será obrigada a contratar os motoristas em formato CLT. “Dificilmente. A decisão é bem atípica no conteúdo e nos valores envolvidos na indenização. É quase certo que a decisão será revertida nas instâncias superiores até se esgotarem os recursos. Embora não haja um entendimento pacificado nos tribunais. O que tem prevalecido é que não há relação de emprego nesse tipo de situação”, iniciou. “Há precedentes inclusive de que a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar esse tipo de ação. O próprio STF tem precedentes de que a relação é de autônomo. Acredito que a Uber tem uma fundamentação sólida para reverter a decisão”, concluiu.
Possíveis chances de falência
Em entrevista para o portal, o advogado apontou os motivos que o leva acreditar que mesmo com essa situação a Uber não tem chances de falir. “A Uber certamente não irá falir. Não só por ser uma decisão limitada ao Brasil e a Uber ser uma empresa global. Mas também por ser algo precário que provavelmente será revertido no decorrer do processo. O que pode acontecer mais rapidamente se a decisão for mantida é aumento de preço de tarifas para os passageiros. O cenário extremo seria a Uber perder em todas as instâncias e decidir parar de operar no Brasil. Por entender que a relação de emprego inviabiliza o modelo de negócio”, avaliou.
Para Barcelos, essa decisão causa mais incerteza jurídica e aumenta o risco de qualquer operação, seja de big tech ou não. Empresas de transporte de passageiros e entregas por aplicativo como 99 e iFood, por exemplo, poderiam ser afetadas. O que pode gerar uma diminuição nas contratações e menos oportunidades de trabalho. Startups e pequenos negócios também podem ter dificuldades na hora criar inovações para o mercado.
“Tem que ficar claro que relação de emprego é uma coisa e relação de autônomo é outra e não tem problema nisso. Situações de abuso tem que ser punidas e já temos mecanismos eficientes para isso. O que não pode acontecer é prevalecer o entendimento genérico de que o modelo de negócio que utiliza autônomos é necessariamente errado”, afirmou.
Confira o posicionamento da Uber
“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 4ª Vara do Trabalho de São Paulo e não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados. Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo Ifood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo.
A decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho.
A Uber tem convicção de que a sentença não considerou adequadamente o robusto conjunto de provas produzido no processo e tenha se baseado, especialmente, em posições doutrinárias já superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.
Na sentença, o próprio magistrado menciona não haver atualmente legislação no país regulamentando o novo modelo de trabalho intermediado por plataformas. É justamente para tratar dessa lacuna legislativa que o governo federal editou o Decreto Nº 11.513, instituindo um Grupo de Trabalho ‘com a finalidade de elaborar proposta de regulamentação das atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas’, incluindo definições sobre a natureza jurídica da atividade e critérios mínimos de ganhos financeiros.”
Confira a análise sobre a decisão que condenou a Uber
O N10 ouviu também a Dra. Silvia Monteiro, sócia e especialista em direito do Trabalho do Urbano Vitalino Advogados faz uma análise precisa sobre a decisão que condenou a Uber a reconhecer o vínculo empregatício de todos os motoristas parceiros da plataforma e multou a plataforma em R$ 1 bilhão por danos morais coletivos.
Monteiro explica que a existência de vínculo empregatício entre motoristas e aplicativos é um tema controverso e que esses trabalhadores precisam contar com o amparo da previdência, mas que uma condenação desse tipo não é o caminho ideal, pois traz insegurança jurídica e afasta investimentos, fazendo com que o Brasil “seja cada vez mais relegado a terceiro plano aos olhos do empresariado”.
“Com todo o respeito ao entendimento em sentido contrário, a decisão perpetrada revela uma importante insegurança jurídica, o que, sob o ponto de vista econômico, sem dúvidas ocasiona a evasão de investimentos no país, e acarreta evidente retrocesso. Isto porque, não se olvida a necessidade de que se estabeleça uma legislação específica que abarque a nova relação de trabalho que surgiu em decorrência das plataformas digitais em suas diferentes esferas”, pontua.
“É fundamental que se faça, inclusive sob o ponto de vista social, pois se não houver proteção previdenciária, quando estes trabalhadores estiverem sem condições de trabalho em decorrência da idade ou de alguma patologia, teremos uma sociedade equivalente à da época da Revolução Industrial, empobrecida, sem poder aquisitivo, sem amparo do estado, o que implicará no aumento dos índices de miséria e violência. Todavia é extremamente controverso na doutrina e na jurisprudência, inclusive nos tribunais superiores (TST e STF), a existência ou não vínculo de emprego na relação existente entre motoristas e a Uber, nos moldes da atual legislação (artigos 2º e 3º da CLT), que seja ou não ideal, seja ou não suficiente, é a única existente no ordenamento jurídico e reconhecida pelo Estado Democrático de Direito”, destacou.
“Assim, sem ingressar no mérito da existência ou não de vínculo na espécie (embora firmemente entendamos que não se configura), se existe relevante controvérsia sobre a natureza da relação jurídica, condenar uma empresa de forma tão gravosa ao cumprimento de uma obrigação não prevista de forma clara em lei, só faz que o Brasil seja cada vez mais relegado a terceiro plano aos olhos do empresariado, culminando na queda de investimento, diminuição da atividade empresarial, redução da geração de emprego e todas as consequências decorrentes de uma retração deste porte”, enfatizou .
“Esperamos que a regulamentação deste tipo de trabalho seja feita o mais breve possível pelo Poder Legislativo, para que as empresas que pretendem investir nessa atividade tenham clareza e segurança, até mesmo para precificar a prestação de serviços, de quais os custos envolvidos na cadeia produtiva”, concluiu a Dra. Silvia Monteiro.