STF garante a Testemunhas de Jeová o direito de recusar transfusões de sangue
Para o Tribunal, a liberdade religiosa de uma pessoa pode justificar o custeio de tratamento de saúde diferenciado pelo poder público.
O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, nesta quarta-feira (25), um marco em favor da liberdade religiosa ao reconhecer o direito de Testemunhas de Jeová recusarem procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue. A decisão, unânime, reforça que pacientes adultos, plenamente capazes e conscientes, podem escolher tratamentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que estes tratamentos precisem ser realizados em outras regiões. “Essa escolha deve ser livre, consciente e informada sobre as possíveis consequências“, ressaltaram os ministros.
A decisão abrange apenas adultos, sendo que menores de 18 anos não possuem o mesmo direito de recusa, prevalecendo o princípio do melhor interesse para a saúde e vida, conforme determinado pela Constituição.
Os ministros fundamentaram sua decisão nos princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade religiosa, ambos protegidos pela Constituição Federal. A Associação Testemunhas de Jeová Brasil, por sua vez, comemorou a decisão, destacando que agora há uma “segurança jurídica” tanto para pacientes quanto para médicos, colocando o Brasil em sintonia com países como Estados Unidos, Canadá e Chile, que já reconhecem esse direito.
Segundo o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, a sentença “reafirma o compromisso do Supremo com a liberdade religiosa“, equilibrando-a com os direitos constitucionais à saúde e à vida. O julgamento decorre de dois Recursos Extraordinários (REs), o 979742 e o 1212272, relatados pelos ministros Barroso e Gilmar Mendes, respectivamente. Ambas as teses fixadas possuem repercussão geral e devem ser aplicadas em todas as instâncias.
O que ficou decidido
Os casos concretos discutidos no julgamento tratam de situações em que pacientes, por razões religiosas, recusaram transfusões de sangue. No Recurso Extraordinário (RE) 979742, a União recorreu de uma decisão que a obrigava a custear uma cirurgia de artroplastia total para uma paciente no Estado do Amazonas, sem o uso de transfusão de sangue. O tratamento só estava disponível fora do estado, e o STF manteve o entendimento de que o poder público deve garantir esse atendimento fora do domicílio, se necessário.
No Recurso Extraordinário (RE) 1212272, a paciente foi recusada pela Santa Casa de Maceió ao não assinar um termo de consentimento para transfusões durante uma cirurgia de substituição de válvula aórtica. O STF também decidiu que pacientes, no pleno gozo de sua capacidade civil, têm o direito de recusar o tratamento por motivos religiosos, desde que essa decisão seja inequívoca, informada e esclarecida.
A partir deste julgamento, as teses fixadas pela Corte Suprema são claras:
- Testemunhas de Jeová adultas e capazes podem recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, invocando sua liberdade religiosa e autonomia individual.
- O Estado é obrigado a fornecer tratamentos alternativos disponíveis no SUS, podendo, se necessário, ser realizado fora do domicílio do paciente.
- A recusa de tratamento por motivos religiosos deve ser livre e consciente, com base em informações claras e detalhadas sobre as consequências, podendo ser expressa por diretiva antecipada de vontade.
Já em casos envolvendo menores de idade, prevalece o entendimento de que a liberdade religiosa dos pais ou responsáveis não pode sobrepor o direito à saúde e à vida dos filhos, cabendo ao Estado garantir o melhor interesse da criança ou adolescente.
Contexto jurídico e impacto
A decisão do STF é vista como um avanço na proteção dos direitos constitucionais e na harmonização entre a liberdade religiosa e os direitos à saúde. Essa orientação também cria um precedente importante para médicos e hospitais ao tratar de pacientes com convicções religiosas fortes. Além disso, reforça o compromisso do Estado brasileiro em oferecer suporte a todas as crenças e respeitar as escolhas dos cidadãos, desde que essas decisões não prejudiquem terceiros, como no caso de menores de idade.
Ministro Barroso destacou que, apesar da recusa de tratamentos convencionais, o Estado tem o dever de “garantir que o paciente receba tratamento médico adequado, compatível com suas convicções, sem que isso resulte em risco desnecessário à vida“.