TRT condena empresa do RN por obrigar gerente a “andar sobre brasa quente”
De acordo com a ação, funcionária era submetida a tratamento degradante e vexatório durante treinamentos motivacionais promovidos pela empresa. Narciso Enxovais foi condenada ao pagamento de R$ 50 mil de indenização por danos morais.
Em uma decisão que tem atraído a atenção pública e da mídia, o Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT-RN) manteve a condenação da Narciso Enxovais, empresa com atuação no Rio Grande do Norte, ao pagamento de R$ 50 mil em indenização por danos morais a uma ex-gerente. Este caso, em questão, revela as práticas questionáveis de treinamentos motivacionais adotadas pela empresa, incluindo a exigência para que os funcionários andassem sobre brasa quente.
A ação foi inicialmente movida pela ex-gerente na 9ª Vara do Trabalho de Natal, após sua demissão sem justa causa em julho de 2021. A profissional, que ingressou na Narciso Enxovais em julho de 2009, primeiramente como assistente de vendas e posteriormente promovida a gerente de loja, relatou ter sido submetida a uma série de treinamentos e reuniões desumanos, sob a premissa de cobrança de metas.
Detalhes dos treinamentos
Em treinamento realizado num hotel fazenda, os gerentes passaram a noite acordados e amarrados pelos pulsos, uns dos outros, procurando pistas em um jogo de caça ao tesouro, num lugar ermo, no meio do mato, ouvindo gritos e xingamentos depreciando o desempenho funcional da gerente.
Num outro encontro, realizado em Recife, os gerentes foram trancados numa sala escura, com uma pessoa deitada ao chão, como se estivesse morta, com velas acesas ao redor.
Segundo a ex-gerente, em outra atividade, a equipe deveria ficar sentada, sem falar, olhar pro lado ou tocar o encosto da cadeira, sob pena de receber um balde de água na cabeça.
Em um encontro realizado na propriedade rural do dono da empresa, durante o mês de setembro, foi realizado um jogo denominado Meta ou Morte, uma alusão à independência do Brasil que, por si só, já sugere o clima tenso da reunião de avaliação do desempenho de seus gerentes.
Nesse encontro, o dono da Narciso chegou a colocar pessoalmente uma cruz no local da reunião e afirmar que o gerente que não batesse a meta teria seu nome colocado na cruz, simbolizando que aquela pessoa “morreu” para a empresa.
Em outra ocasião, ela também disse ter sido obrigada a declamar o poema Filosofia do Sucesso, de Napoleon Hill, e ao final foi humilhada pelo dono da empresa, diante dos demais gerentes, por não ter atingido sua meta.
Fire Walker
Por fim, em outro treinamento, os gerentes ficavam três dias incomunicáveis em uma fazenda de propriedade do dono da Narciso e eram obrigados a andar descalços sobre brasas quentes e gritar “fire walker” (caminhante do fogo) ao final da caminhada.
Testemunhas ouvidas durante o processo atestaram que a ex-gerente era, de fato, exposta a situações vexatórias nos “treinamentos motivacionais” promovidos pela empresa.
Resposta da empresa e julgamento
A Narciso, no entanto, contestou a ex-gerente alegando que a empresa “não pratica abusos de ordem moral no trato com seus funcionários, zelando pela ética, bons costumes e sem exageros ou constrangimentos”.
Contudo, o recurso foi julgado pela Primeira Turma de Julgamentos do TRT-RN, onde o juiz convocado Décio Teixeira de Carvalho Júnior destacou a existência de provas incontestáveis dos métodos adotados nos treinamentos, incluindo vídeos dos funcionários caminhando sobre as brasas.
Decisão e implicações
Na análise, o juiz Carvalho ressaltou a extrapolação das liberdades patronais, considerando as práticas como condutas abusivas que ferem a dignidade da pessoa humana, dando origem ao direito de reparação civil. A decisão, endossada unanimemente pelos desembargadores, não apenas confirma a indenização por danos morais à ex-gerente mas também estabelece um precedente significativo sobre os limites éticos e legais dos treinamentos motivacionais nas empresas.
Décio Carvalho concluiu que, “por toda prova produzida, restaram comprovados excessos do empregador, visto que suas atitudes configuram verdadeiras ameaças ao emprego da autora”.
Baseado nesse fato, o juiz convocado manteve a indenização por danos morais em favor da ex-gerente no valor de R$ 50 mil e foi acompanhado, à unanimidade, pelos desembargadores da Primeira Turma.