Uma imagem chocante, datada de 1892, retrata uma montanha de crânios de bisões americanos (Bison bison) perto da Michigan Carbon Works, em Rougeville, Michigan. A fotografia, parte da coleção Burton Historical do Detroit Public Library, ilustra de forma impactante a destruição quase completa desta espécie no século XIX.
A imagem, que mostra dois homens em meio a uma pilha imensa de ossadas, serve como um poderoso símbolo da perda de biodiversidade causada pela ação humana. De uma população estimada entre 30 e 60 milhões no final do século XVIII, os bisões foram reduzidos a apenas 456 animais selvagens até 1892, vítimas da caça comercial desenfreada e de campanhas governamentais que visavam destruir o modo de vida indígena.
A escala da destruição
A colonização do Oeste americano intensificou a matança. A chegada de caçadores, munidos de armas superiores, e a crescente demanda por peles e ossos no mercado impulsionaram o extermínio, que ocorreu principalmente entre 1850 e o final da década de 1870. A foto de Rougeville, frequentemente usada em publicações de conservação, revistas, filmes e até memes de protesto, evidencia a escala dessa tragédia ecológica. A pesquisadora Danielle Taschereau Mamers, em estudo publicado em The Conversation, analisa a foto como exemplo de uma "paisagem manufaturada", no termo do fotógrafo canadense Edward Burtynsky.
O impacto para além da extinção
A pesquisadora destaca que a foto, além de simbolizar a destruição e a arrogância humana, mostra também a perda de relações complexas entre os bisões e os ecossistemas, especialmente com as Nações Indígenas. A especialista cita estudos de Keira Ladner sobre a organização não hierárquica das comunidades Blackfoot e suas práticas colaborativas de tomada de decisão, profundamente conectadas à vida dos bisões. Além disso, o Tratado do Bisão, iniciativa indígena para reintroduzir os bisões selvagens (assinado em 2014), descreve o bisão como um parente dos povos indígenas das planícies. "O bisão faz parte de nós e nós fazemos parte do bisão culturalmente, materialmente e espiritualmente", diz o tratado.
A cineasta e acadêmica Cree Tasha Hubbard documentou histórias sobre o extermínio de bisões por várias Nações Indígenas das planícies, enfatizando o trauma da perda e considerando o extermínio como um ato de genocídio, conforme relatado em estudo de sua autoria. A especialista Dakota Kim TallBear reforça a importância de reconhecer os seres não humanos como agentes em relações sociais que moldam profundamente as vidas humanas.
Um impacto ecossistêmico devastador
A presença de bisões, keystone species do oeste americano, exercia profunda influência no ecossistema. Sua ausência gerou uma disrupção em cadeia, afetando a vida de centenas de outras espécies. Os bisões criavam habitats para outras espécies – insetos em seus dejetos, anfíbios em suas depressões de lama (wallows) – impactos analisados em publicações científicas. A destruição não impactou apenas os bisões, mas todo um ecossistema.
O capitalismo colonial e a transformação do bisão em mercadoria
A foto também evidencia a relação entre o extermínio e o capitalismo colonial. Os crânios não estavam ali apenas como ossos; eles se transformaram em commodities. Os ossos foram transportados, em infraestruturas como ferrovias, para serem transformados em fertilizantes, cola e cinzas em fábricas como a Michigan Carbon Works. Os ossos geraram produtos como porcelana óssea, vendidos nas cidades europeias e norte-americanas. Este processo, descrito em pesquisa acadêmica, representa a transformação de animais em mercadorias por meio de infraestruturas coloniais, um processo relacionado à exploração e destruição de habitats e à perda de biodiversidade.
O futuro dos bisões
Atualmente, existem cerca de 31.000 bisões selvagens em rebanhos de conservação na América do Norte, classificados como "quase ameaçados" pela União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Apesar da melhora em relação à quase extinção do século XIX, esforços de conservação, incluindo o Tratado do Bisão e o Conselho Intertribal do Bisão, são essenciais para a sobrevivência da espécie. A foto de Rougeville serve como um alerta sobre a importância de proteger a biodiversidade e reconhecer a intrínseca relação entre humanos e outras espécies.
Danielle Taschereau Mamers, pesquisadora pós-doutoral em estudos culturais e literários, McMaster University.
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