Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, nessa quarta-feira (6), a validade da Emenda Constitucional 19/1998, que possibilita a contratação de servidores públicos pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), rompendo com a obrigatoriedade do Regime Jurídico Único (RJU).
A decisão, de grande impacto para o funcionalismo público, encerra uma longa disputa judicial que teve início em 2000, quando a ação foi apresentada.
A mudança marca o fim da exigência de um regime único e permite que servidores públicos sejam contratados sob a legislação trabalhista comum, o que retira a estabilidade atualmente assegurada pelo RJU. Os servidores admitidos pelo regime celetista não terão, portanto, o mesmo nível de estabilidade que os contratados pelo regime estatutário.
Em 2007, o STF já havia suspendido temporariamente a validade da emenda por meio de uma decisão cautelar, argumentando que a proposta teria sido promulgada sem a devida aprovação das duas casas legislativas em dois turnos de votação, como prevê a Constituição. O texto permaneceu suspenso até o julgamento final realizado nesta quarta-feira, quando o tribunal modificou seu entendimento e passou a validar a medida em definitivo.
Efeitos da decisão e restrições
Apesar de a mudança ser agora válida, o Supremo definiu que a decisão não será aplicada retroativamente. Ou seja, servidores contratados antes desta decisão manterão o regime atual, impedindo assim que mudem para o regime celetista.
Essa medida foi tomada para evitar que novos beneficiários ingressem na Previdência pública sem o devido tempo de contribuição, o que poderia desbalancear financeiramente o sistema previdenciário.
Pelo regime único, os servidores conquistam a estabilidade após três anos de serviço, seguindo o período de estágio probatório. Com o novo entendimento do STF, o processo seletivo continua sendo o concurso público, mas quem ingressar pelo modelo celetista não terá a estabilidade garantida pelo regime estatutário.
Divisão entre os ministros e voto de Gilmar Mendes
O voto que prevaleceu foi o do ministro Gilmar Mendes, dado em 2021, antes de o julgamento ser suspenso por um pedido de vista do ministro Nunes Marques. Mendes defendeu que a votação da Emenda Constitucional 19/98 não infringiu a regra de aprovação em dois turnos e com maioria qualificada (três quintos dos votos). Ele argumentou que o texto sofreu apenas uma alteração de posicionamento, sendo deslocado de um parágrafo para o caput do artigo 39.
Para Mendes, “modificar o lugar de um texto contido em uma proposição legislativa não é suficiente para desfigurá-lo”. Além de Nunes Marques, seu voto foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.
Em contrapartida, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação, se posicionou contra a emenda. Em seu voto, apresentado em 2020, ela sustentou que a proposta de extinguir o RJU havia sido rejeitada no primeiro turno de votação e, mesmo assim, foi levada ao segundo turno. Segundo a ministra, o procedimento adotado violou o princípio de exigência de aprovação por maioria qualificada nas duas casas do Congresso.
Cármen foi acompanhada pelos ministros Edson Fachin e Luiz Fux. Em sua defesa, ela afirmou: “Os argumentos trazidos no presente recurso, insuficientes para modificar a decisão agravada, demonstram apenas inconformismo com a decisão pela qual contrariados os interesses do agravante”.
Contexto e impacto da EC 19/98
A Emenda Constitucional 19/1998 determinou a extinção do RJU, regime que regia os servidores públicos civis de órgãos diretos, autarquias e fundações públicas, e propôs a criação de conselhos de política de administração e remuneração de pessoal.
Esses conselhos seriam compostos por servidores designados pelos poderes correspondentes, abrindo espaço para a contratação de funcionários pela CLT.
A emenda foi questionada por diversos partidos, que alegaram que o então relator, o ex-deputado Moreira Franco, teria aplicado uma “manobra legislativa” para que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) fosse aprovada sem a exigida tramitação em dois turnos nas duas casas legislativas. Segundo os opositores, essa prática teria ferido o processo legislativo constitucional.
Quer receber as principais notícias do Portal N10 no seu WhatsApp? Clique aqui e entre no nosso canal oficial.