Cerca de 30 mil candidatos negros foram reintegrados ao Concurso Público Nacional Unificado (CNU) após um erro na correção das provas discursivas. O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI) anunciou a medida na quinta-feira (21), explicando que o problema afetou a correção das redações dos candidatos cotistas, resultando em um número inferior ao previsto no edital para a quantidade de provas corrigidas, em comparação com as provas da ampla concorrência.
O problema foi detectado após um acordo judicial no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) entre a União, o Ministério Público Federal (MPF), a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Fundação Cesgranrio, banca examinadora do certame. Segundo o MGI, a “controvérsia sobre o número de provas discursivas corrigidas para candidatos de cotas raciais para pessoas negras, inferior ao previsto [no edital]”, motivou o acordo.
A Instrução Normativa do MGI nº 23/2023, que regulamenta a reserva de vagas para pessoas negras em concursos públicos, prevista na Lei nº 12.990/2014, foi fundamental para a decisão. A norma estipula que o número de candidatos negros aprovados deve ser igual ao número de candidatos aprovados na ampla concorrência, desde que atinjam a nota mínima nas provas objetivas. Essa igualdade deve se manter em todas as etapas do concurso, conforme o subitem 7.1.2.2.1 de cada um dos editais dos oito blocos temáticos do CNU.
A consultora jurídica do MGI, Karoline Busatto, afirmou em entrevista coletiva que a medida visa garantir a transparência, a continuidade e a segurança jurídica do concurso. “O caminho seguinte seria a ação civil coletiva. Então, por bem, entendemos já pacificar, incluir no acordo com o próprio Ministério Público Federal e resolver este ponto também antes que ele se tornasse um ponto de judicialização maior”, explicou Busatto.
A reintegração dos candidatos negros foi motivada também por solicitações de grupos como o Coletivo de Servidoras e Funcionárias Negras do Poder Executivo federal. O coletivo enviou uma carta ao MGI alertando para a eliminação indevida de candidatos negros com notas suficientes, devido à falta de correção das suas redações. Letícia Cirqueira de Oliveira, membro do coletivo e servidora pública federal, acredita que a medida beneficiará muitos candidatos negros, inclusive podendo gerar vagas adicionais para outros candidatos negros na ampla concorrência. “Com notas de cortes tão aproximadas, eu acredito que muitos candidatos negros possivelmente irão para ampla concorrência, liberando mais vagas para outras pessoas negras, possibilitando a efetiva representação que tanto queremos.”
Maryangela Santos, outra integrante do coletivo, celebrou a decisão, destacando a importância de proteger candidatos que não têm acesso ao Poder Judiciário. “Temíamos que muitos candidatos ficassem no prejuízo, causando até agravos emocionais para os próximos concursos.” Para ela, a medida resgata a credibilidade do CNU como política pública afirmativa. “Como não seria cumprido um edital com uma política tão importante como essa? Como ficaria a insegurança que surgiria nos próximos concursos e no próximo CNU?”, questionou. “A importância da política pública [afirmativa] é ela se fazer cumprir para que a sociedade acredite nela e para que funcione de fato. E este concurso, como é defendido pelo MGI, é o concurso da diversidade”, ressaltou Maryangela.
O coordenador-geral de Logística do CNU, Alexandre Retamal, explicou que os editais já previam a correção de nove vezes o número de vagas imediatas para todos os grupos, incluindo negros, pessoas com deficiência e indígenas. No entanto, a IN 23/2023 determinou a igualdade com a ampla concorrência, justificando a reintegração. A consultora jurídica Karoline Busatto mencionou uma retificação no edital do CNU em fevereiro deste ano como fator contribuinte para a ampliação das correções. Letícia Cirqueira reforçou a existência de decisões judiciais e a própria IN 23/2023 que determinam a igualdade entre candidatos negros e da ampla concorrência em todas as fases do certame. “Há recomendação jurisprudencial de que é necessário manter a igualdade em todas as fases do certamente. O STJ [Superior Tribunal de Justiça] e o STF [Supremo Tribunal Federal] entendem que, em concursos de várias fases, é necessário que a administração pública garanta a igualdade não apenas no fim do concurso”, frisou Letícia, também candidata ao concurso.
Dos 2,11 milhões de inscritos, 415.496 se autodeclararam pretos ou pardos e concorrem a vagas reservadas. A reserva de 20% das vagas para negros é garantida pela Lei nº 12.990 (2014). A IN nº 23/2023 estabelece os procedimentos de heteroidentificação. O novo cronograma prevê a convocação dos candidatos negros aprovados para verificação da autodeclaração.
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