Um contrato de empréstimo firmado entre um consumidor e uma instituição financeira foi anulado pelo juiz Herval Sampaio, da 1ª Vara de Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, por juros abusivos.
Na sentença (processo nº 0801694-61.2020.8.20.5102) ainda foi declarada a inexistência de saldo devedor de cerca de R$ 49 mil, tudo diante da incompatibilidade do negócio jurídico com as regras do Código de Defesa do Consumidor. Na mesma sentença, o magistrado condenou o banco a restituir o valor de R$ 3.826,73 ao autor e determinou o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8 mil.
O caso
O autor ajuizou ação declaratória de inexistência de débito com pedido de repetição de indébito e indenização por danos morais contra a instituição financeira, alegando que contratou, em abril de 2011, um empréstimo pessoal no valor de R$ 25 mil, sendo dado a sua casa como garantia fiduciária, por exigência da instituição financeira contratada.
Ainda segundo o autor da ação, após mais de nove anos desde a contratação, o saldo devedor praticamente dobrou de valor, bem como os valores das parcelas. A parcela de dezembro de 2011 tinha o valor de R$ 359,11, enquanto que a de agosto de 2020 foi no valor de R$ 662,77.
De acordo com a denúncia, o cliente já havia pago a quantia de R$ 54.549,56 pelo empréstimo de R$ 25 mil e ainda possui um saldo devedor de R$ 49.456,77, faltando 248 parcelas a serem pagas.
Na acusação, ele apontou que o demonstrativo do financiamento indica que o saldo devedor não diminui ao passar do tempo, e que o pagamento das parcelas abate apenas uma parte dos juros e encargos da dívida, entendendo assim haver cláusulas abusivas em seu contrato.
O consumidor reclamou ainda da prática de venda casada, haja vista que para ter acesso ao empréstimo teve que fazer um contrato de seguro de morte e invalidez, seguro de danos físicos ao imóvel e taxa de administração, além de danos de ordem moral em razão do endividamento para cumprir com as obrigações indevidamente impostas.
Em sua contestação, o banco alegou ausência de qualquer irregularidade ou ilegalidade na cédula de crédito e que todos os encargos convencionados possuem respaldo legal.
Afirma que é instituição financeira e por isso não está sujeita à limitação de juros remuneratórios da Lei da Usura. Assevera também que o contrato de seguro de danos físicos firmado pelo autor visa resguardar o adimplemento contratual, não havendo de se falar em venda casada, e que o autor assumiu o risco do contrato, pactuando os termos, incluindo taxa de juros, encargos, tarifas e contratação de seguro prestamista.
Ainda segundo a instituição financeira, o sistema de amortização adotada na cédula de crédito bancário foi a Tabela Price, que não implica em anatocismo. O banco sustentou que neste sistema os juros são cada vez menores, pois são calculados sobre o saldo devedor que é cada vez menor e que consequentemente, as amortizações são cada vez maiores para que, somadas aos juros, totalizem prestações iguais, o que significa que na medida em que o tempo vai passando, as amortizações vão sendo deduzidas do capital inicial, obviamente, o saldo devedor diminui, logo, inexiste capitalização.
Decisão
Ao analisar o caso, o juiz Herval Sampaio observou que os contratantes, por força do artigo 422, do Código Civil Brasileiro, são obrigados a guardar na conclusão do contrato e em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé. “Ou seja, a todos é garantida a liberdade de contratar, desde que respeitadas a probidade e boa-fé, e estipuladas cláusulas que não onerem excessivamente a qualquer das partes, principalmente ao consumidor, considerado o hipossuficiente da relação consumerista”, diz a sentença.
O magistrado destacou que, embora o banco alegue aplicar a Tabele Price, formulação matemática na qual os juros são cada vez menores, uma vez que são calculados sobre o saldo devedor que é cada vez menor, não se verificou a diminuição do saldo devedor ao avançar do adimplemento do contrato.
“Verifica-se que não está sendo cumprido o sistema de amortização da Tabela Price, posto que a míngua de notícia de inadimplemento do autor, o montante da dívida deveria está menor do que o valor da dívida no início do contrato de empréstimo, porém, a dívida encontra-se aumentando ao passar dos meses, por mais que autor seja pontual no pagamento das mensalidades do empréstimo”.
O magistrado entendeu não ser razoável que o pagamento parcelado contínuo de uma dívida acarrete o aumento do saldo devedor, “o que revela indubitavelmente uma excessiva onerosidade ao consumidor”.
Herval Sampaio apontou ainda que para atender o direito básico de informação previsto no CDC, seria imprescindível o banco estipular claramente que o contrato de empréstimo implicaria num contínuo aumento da dívida, mesmo com o cumprimento das parcelas mensais da dívida e dos encargos contratuais. “No entanto, não se verifica isso no termo contratual apresentado pelo autor e não impugnado pelo réu”, implicando em outra ilegalidade no negócio jurídico analisado.
O juiz acatou a tese de abusividade da imposição ao autor dos contratos de seguro de morte e invalidez, seguro de danos físicos ao imóvel, o que configura a prática de venda casada, intitulada de abusiva e rechaçada pelo artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. “É vedado pelo Direito Consumerista a imposição ou venda casada de algum serviço ou produto. Assim, serviços como seguros são vistos como um serviço extra que o consumidor é ‘obrigado a contratar’ para poder ter acesso aos empréstimos sim ou financiamento. Isso configura a prática ilegal”.
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