Imaginar o passado é, muitas vezes, um ato poético. Reunir fragmentos de lembranças e momentos nos traz nostalgia, mesmo sobre coisas que de fato não vivemos. Nossa imaginação preenche lacunas, e nossa vontade de estar em outro lugar ou outra vida nos conduz em uma viagem fascinante. Pensando nisso, o Dinastia Literária dessa semana traz um breve compilado de histórias que lhe conduzirão por outras épocas, cheias de aventuras e emoção. Por isso, vista seu kilt tartan, esteja sempre alerta, e não deixe sua mente lhe pregar peças.
OUTLANDER: A VIAJANTE DO TEMPO (DIANA GABALDON)
Romances históricos sempre me chamaram bastante atenção, mas o que realmente me atraiu de vez para este primeiro livro (e saga) foi a mistura disso com um toque de misticismo e… viajem no tempo!
Isso mesmo, em Outlander, Claire, ao fim da Segunda Guerra Mundial, resolve ter uma segunda lua de mel com o marido em Inverness onde a vida deles muda por completo. Dias após testemunhar um antigo ritual em um círculo de pedras, Claire resolve voltar ao lugar e se vê lançada através do tempo para o ano de 1743, em uma Escócia violenta e que se prepara para uma guerra de clãs em nome da coroa.
O livro vai em uma crescente a cada capítulo que passa e a escrita de Diana só nos faz querer mais e mais não só de Claire e Jamie, o casal principal, mas de todos os outros personagens tão bem construídos e do próprio ambiente. Entre os mistérios do antigo mundo, a brutalidade daquela época, as crenças de um povo que não conhecia nada além de seu próprio passado, Diana entrega um dos mais bem construídos romances que já pude ler.
Em 752 páginas é possível conhecer e se sentir cativado pelo espírito independente de Claire e o carisma de Jaime que, aparentemente, só um homem das Terras Altas conseguiria ter.
A saga foi adaptada para uma série de mesmo nome, onde a primeira temporada (de cinco) aborda todo o enredo do livro um escrito por Diana Gabaldon. Não há como negar o cuidado que a série teve em dar vida diante dos nossos olhos aos personagens, desde os protagonistas até os coadjuvantes. Caitriona Balfe (Ford vs Ferrari, Truque de Mestre) e Sam Heughan (Bloodshot, SAS: Red Notice) são os interpretes de Claire e Jamie, respectivamente, e conseguem trazer a essência dos personagens de forma natural.
As ambientações e locações por onde permeia toda a temporada também são um ponto forte que nos ajuda a mergulhar ainda mais em toda a trama que se desenvolve entre os clãs escoceses, os soldados da coroa e a chegada de uma mulher que não pode revelar o lugar de onde veio. É notório que algumas partes foram cortadas e outras adaptadas para às telas, mas com um alto nível de fidelidade à obra original.
Vale destacar ainda a atuação de Lotte Verbeek (Lista Negra) como Geillis Duncan, personagem de destaque e boa construção ao longo do programa.
FILHOS DO ÉDEN: ANJOS DA MORTE (EDUARDO SPOHR)
Derivada do livro A Batalha do Apocalipse, a trilogia Filhos do Éden de Eduardo Spohr vale a pena para qualquer amante de fantasia e até mesmo para aqueles que querem começar a se aventurar nesse gênero literário.
Em uma visão geral da trilogia: o Céu está em uma guerra civil. Miguel e Gabriel lideram suas legiões pelas sete camadas do Paraíso em busca de dominância, mas enquanto fortalezas são cercadas e perdas acontecem, um armistício acontece e a Terra se torna um frágil lugar neutro. Nesse período, enquanto o Céu treme em guerras, dois anjos são enviados para a Terra em busca de Kaira, uma capitã rebelde desaparecida durante uma missão. Mas o que parecia simples revela segredos milenares, tramas gigantescas e conspirações inesperadas.
Mas neste texto focaremos no segundo livro, Anjos da Morte, que mergulha a fantasia em lendas e teorias que circulavam em torno da Segunda Guerra Mundial.
Divididos entre o presente e as memórias do passado, tratando dos segredos de governos, criticando de forma interessante os massacres através da história da humanidade e seus extremismos. Nos fazendo refletir sobre como chegamos onde estamos e se somos capazes de repetir tudo outra vez para avançar.
Sob o disfarce de soldados comuns, alguns anjos são enviados através das guerras humanas para documentar de perto todos os fatos e tramas. Desde os acontecimentos na praia da Normandia até os campos de extermínio nazistas e das selvas da Indochina até a União Soviética; tudo testemunhado por esses seres celestiais.
Anjos da Morte é um prato cheio (com direito a sobremesa) para quem ama os elementos históricos e fantasiosos. Além de ser o trabalho primoroso de um autor brasileiro, ele entrega uma das melhores sagas que já pude ler (e eu já li várias).
TERRITÓRIO LOVECRAFT (MATT RUFF)
Há uma passagem no livro que diz: “histórias são como pessoas, Atticus. Nós até podemos amá-las, mas não podemos alegar que são perfeitas. Sempre tentamos enaltecer suas virtudes e relevar seus defeitos, mas isso não faz os defeitos desaparecerem.”. Acredito que não haja frase melhor para descrever a história contada nesse livro, e o nome que é carregado no título.
A aventura se desenvolve entre a segregação racial nos anos 50 nos Estados Unidos e os traumas trazidos pela guerra na Coreia, acompanhamos Atticus, um homem negro veterano de guerra, fã de obras pulp como, por exemplo, as escritas por H. P. Lovecraft. Como plano de fundo temos o desaparecimento do pai de Atticus, que desencadeia uma série de eventos que vai levá-lo junto de amigos e familiares por uma jornada repleta de aventuras e horrores para além da compreensão humana comum.
A história traz uma discussão muito atual sobre racismo, que se perpetua ao longo de séculos e continua latente na sociedade fazendo vítimas por todo o mundo, juntamente com o debate da separação entre obra e autor assim como ressignificar um conjunto de histórias que refletia o preconceito do seu criador. E se Lovecraft se revirar na tumba, é porque tá tudo certo!
O livro também teve uma adaptação em formato de série pela HBO que trouxe novos elementos e seguiram alguns caminhos completamente diferentes do material base e algumas decisões foram completamente acertadas, dando ainda mais camadas para o desenvolvimento dos personagens.
E, após ler e assistir, seria interessante que Matt Ruff tivesse ousado um pouco mais. É a velha história: se vamos colocar o dedo na ferida, então faremos doer.
“O amor por si é o único amor verdadeiro, porque no fundo todos nós, homens, anjos ou demônios, somos egoístas ao extremo. Quando amamos alguém, é porque assim nos sentimos felizes, e não ao contrário.” Então, preparado para se aventurar pelo passado? O “Dinastia Literária”, estará de volta na próxima semana com mais conteúdo sobre livros e esse multiverso fascinante. Nos siga também em nossas redes sociais para mais conteúdo sobre livros, séries, filmes e tudo que envolve o universo Nerd/Geek.
Texto: Antônio Gomes
Revisão e Edição: Augusto “Clark” Miranda