Um subproduto misterioso de uma substância desinfetante utilizada na água potável de mais de 113 milhões de pessoas nos EUA foi finalmente identificado, gerando preocupação entre os cientistas. Trata-se de um dos vários produtos de degradação conhecidos das cloraminas inorgânicas, utilizadas para matar germes. Embora sua identificação seja um avanço, o composto, descoberto por uma equipe de pesquisadores dos EUA e da Suíça, ainda não foi declarado isento de riscos para a população, necessitando de mais testes para garantir sua segurança.
As cloraminas inorgânicas têm sido utilizadas globalmente para proteger as populações contra contaminantes biológicos em sistemas de água potável. Considerada uma alternativa de baixo risco ao cloro, sua adição em pequenas quantidades à água potável melhora significativamente a saúde pública. No entanto, o cloro é conhecido por reagir com outras substâncias presentes na água, formando uma variedade de produtos químicos que podem ter efeitos prejudiciais em certas concentrações ao longo da vida.
Desde a década de 1970, sabe-se que a água clorada pode conter subprodutos químicos que, em doses elevadas, foram associados a cânceres de bexiga e cólon, além de baixo peso ao nascer e abortos espontâneos. Por essa razão, esses subprodutos são regulamentados pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA).
Para minimizar a concentração desses subprodutos do cloro, as concessionárias de água frequentemente alternam entre o cloro e produtos químicos relacionados, as cloraminas, que produzem menos subprodutos prejudiciais conhecidos. Entretanto, uma nova pesquisa, liderada pelo engenheiro ambiental Julian Fairey, da Universidade do Arkansas, destaca a possibilidade de surgimento de outros subprodutos ‘não identificados’ em águas desinfectadas com cloraminas, que também podem ser potencialmente tóxicos em concentrações ainda a serem determinadas.
Um desses subprodutos da cloramina foi notado há mais de 40 anos, mas sua identidade permaneceu desconhecida por décadas. Estudos extensos nas décadas de 1980 e 1990 revelaram que o subproduto continha cloro e nitrogênio e era um ânion (íon carregado negativamente). A determinação de sua composição molecular e estrutura química, no entanto, se mostrou desafiadora.
Após dez anos de pesquisa, Fairey e sua equipe finalmente identificaram o composto. “Os esforços anteriores de caracterização foram prejudicados por limitações analíticas e uma compreensão incompleta da química de decomposição da cloramina, que meu grupo de laboratório trabalhou para resolver, em colaboração com Dave Wahman, da EPA dos EUA”, explicou Fairey em entrevista coletiva.
Identificado como um ânion de cloronitramida, é um composto notavelmente estável com baixo peso molecular, o que dificultou sua detecção em amostras de água ou sua síntese em laboratório. Métodos usuais para caracterizar amostras ambientais foram infrutíferos, levando a equipe a utilizar cromatografia iônica acoplada à espectrometria de massas. “Com essa técnica, conseguimos separar parcialmente o composto do sulfato e determinar sua massa exata. Então, pudemos determinar a fórmula química, que se mostrou ser cloro com dois nitrogênios e dois oxigênios… como um ânion”, explicou Juliana Rose Laszakovits.
Embora ainda não existam estudos de toxicidade, nem qualquer ligação a cânceres ou outros riscos à saúde, o composto apresenta algumas características semelhantes a outras moléculas tóxicas. “Sua presença é esperada, honestamente, em todas as águas potáveis cloradas em alguma extensão, devido à química, e tem semelhança com outras moléculas tóxicas”, afirmou o engenheiro ambiental da EPA dos EUA, David Wahman, na entrevista coletiva. “Portanto, pesquisas futuras sobre a cloronitramida, sua ocorrência e toxicidade, são necessárias para entender suas potenciais implicações na água potável.”
Wahman também apontou que outros sistemas que utilizam desinfetantes à base de cloro — piscinas, lagoas e produtos de limpeza, por exemplo — podem justificar investigações científicas, particularmente se houver nitrogênio envolvido.
A questão principal é como novos contaminantes se comparam, não apenas a outras medidas, mas aos organismos mortais que sua molécula-mãe protege. “Independentemente de o ânion de cloronitramida ser ou não tóxico, sua descoberta justifica um momento de reflexão para pesquisadores e engenheiros de água”, escreve o engenheiro ambiental Daniel McCurry, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, em uma perspectiva complementar. McCurry também observa que a química da cloração apresenta reações preocupantes em encanamentos de chumbo.
A segurança raramente é uma decisão de tudo ou nada para as autoridades. Em um esforço para tornar a água potável o mais segura possível, pesar os custos e os benefícios à medida que continuamos a fazer novas descobertas é vital para a saúde pública. O artigo foi publicado em Science.
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