Promover atividades de assistência e promoção à saúde à população em situação de rua em Natal. Essa é a ideia principal do programa Consultório na Rua, ligado ao Departamento de Atenção Básica (DAB) da Secretaria Municipal de Saúde de Natal. Com o objetivo de ampliar o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde, o programa tem hoje uma média de 600 pessoas cadastradas. O trabalho é desenvolvido atualmente por três equipes, cada uma formada por seis profissionais, que atuam na, principalmente, nas zonas Leste e Sul da capital, totalizando aproximadamente 50 locais de atuação.
“No entanto, quando recebemos alguma demanda das outras regiões, nos deslocamos e prestamos a assistência. Na verdade, o que fazemos é facilitar o acesso dessas pessoas às redes de saúde, por isso levamos o atendimento aos locais onde eles se concentram para atendê-los com maior facilidade. Nossa prioridade é garantir a assistência, o cuidado e acompanhar os usuários de perto”, afirmou o coordenador do Programa Consultório na Rua em Natal, Levi Carvalho.
Levi Carvalho explica que as visitas são realizadas a partir de um mapeamento das áreas da cidade, que permite saber em que localidade estão as pessoas em situação de vulnerabilidade social. Cada equipe é composta de assistente social, psicólogas, agente social, técnicas de enfermagem, terapeuta ocupacional e motorista, todos capacitados para lidar com pessoas que se encontram em condições de vulnerabilidade e muitos com os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados.
As atividades são itinerantes e, quando necessário, a assistência é promovida pela rede de serviços da Secretaria Municipal de Saúde, por meio das Unidades de Estratégia da Saúde da Família (ESFs), Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Como parte do programa, os técnicos ainda auxiliam com os direcionamentos para retirada de documentos, como Registro de Nascimento, Registro Geral e Cartão do SUS.
O atendimento é feito semanalmente e a equipe, após diagnosticar o problema, muitas vezes por meio de exames laboratoriais, continua o acompanhamento. Os contatos são discretos e receptivos, conduzidos por atitudes acolhedoras. Cada profissional desenvolve suas atividades planejadas e de acordo com as demandas que se apresentarem no momento. Após a identificação e dos primeiros diálogos, os usuários que precisem de atendimentos médicos, e que queiram ir, são levados pela própria equipe para um dos serviços de saúde.
Dentro do perfil dos usuários atendidos pelo programa, a maioria são homens em idade adulta e com doenças sexualmente transmissíveis. Há também as crises de abstinência de drogas, principalmente relacionados à utilização do crack. Entre as principais questões de saúde estão a tuberculose, as DSTs (principalmente Sífilis e HIV), saúde mental, álcool e outras drogas e os problemas decorrentes do uso abusivo, saúde bucal e gravidez.
Preconceito
Para a agente social Juliane Ataíde, a invisibilidade e o preconceito são os maiores obstáculos dessas pessoas para acessarem serviços e direitos. “As pessoas olham, mas não enxergam. Muitos também têm ideia de que essas pessoas são perigosas ou descompromissadas, e não adianta investir, não adianta passar remédio, porque vão perder ou vender para comprar droga. Tivemos alguns pacientes que terminaram o tratamento da tuberculose, mesmo vivendo na rua”, ressalta Juliane ao mencionar casos de pessoas que deram a volta por cima quando pareciam casos perdidos. “Não dá para prejulgar, determinar quem merece ou não investimento e esforços”.
Ela conta que o trabalho tem a finalidade de construir perspectivas de futuro para essa população, bem como, por consequência, a redução de danos. “Muitas dessas pessoas perderam o vínculo familiar, com as instituições, e conseguimos, com nosso trabalho, recriar um novo vínculo, que favorece o cuidado. Mas o preconceito ainda é muito grande. As pessoas precisam acabar com os estereótipos e começar a enxergá-los como realmente são”.
Satisfação
O psicólogo Leandro Silva se orgulha do trabalho que faz, não apenas em cuidar desse público, como também de informar e conscientizar essas pessoas de seus direitos: “Um paciente nosso estava muito debilitado na rua, mas não queria ir à Unidade de Saúde, pois dizia que não era para pessoas como ele. Ver esses usuários continuarem tratamentos e passarem a frequentar a clínica já é uma enorme vitória para mim. Hoje eu entendo que essa é a minha missão aqui na terra. A nossa satisfação é saber que conseguimos fazer a diferença na vida das pessoas”, conta.
Segundo o psicólogo, as chances de as pessoas saírem da situação de rua aumentam quando há uma rede de apoio envolvida: “É uma crueldade achar que uma pessoa em situação de rua, em total desorganização, vai conseguir, sozinha, atingir o nível de organização que a gente tem. As políticas públicas precisam conversar mais, para olhar essas pessoas com mais cuidado e ajudá-las a se estruturar”.
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