O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) suspendeu, nesta quarta-feira (30/10), a aplicação da Lei Estadual nº 11.587/2023 e do Decreto Estadual nº 33.738/2024, que previam a destinação de 5% das vagas de emprego para pessoas trans e travestis em empresas que recebem incentivos fiscais do estado.
A decisão, tomada por unanimidade pelo Pleno do TJRN, segue o voto do relator, desembargador Claudio Santos, e terá efeito até o julgamento definitivo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) que questionam a legalidade das medidas.
Em seu voto, o desembargador Claudio Santos argumentou que tanto a Lei quanto o Decreto ferem princípios constitucionais fundamentais, como legalidade, livre iniciativa e competência legislativa da União sobre o direito do trabalho. Segundo o relator, a imposição da reserva de vagas interfere nas normas de contratação pública ao exigir condições específicas para a manutenção de contratos e convênios firmados entre o setor privado e o Estado.
“A mesma lei estadual incorre em inconstitucionalidade ao legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, matéria reservada à competência privativa da União, conforme o art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal”, afirmou o desembargador. Santos enfatizou que o artigo 22 da Constituição Federal atribui exclusivamente à União a competência para legislar sobre direitos trabalhistas, o que torna a norma estadual inválida sob o entendimento da Corte.
Alegações de entidades e setor privado
As ADINs foram apresentadas por entidades representativas do setor empresarial, entre elas a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte (Fiern), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio Grande do Norte (Fecomércio/RN), Federação de Agricultura, Pecuária e Pesca do Rio Grande do Norte (Faern) e a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste. As entidades afirmaram que a obrigação de reservar vagas poderia acarretar impactos financeiros negativos para micro e pequenas empresas, além de gerar “demissões e instabilidade econômica”.
A defesa do setor privado baseia-se na alegação de que a medida representa uma majoração indireta de tributos ao condicionar a manutenção de benefícios fiscais ao cumprimento de uma exigência trabalhista. Segundo as federações, “a inclusão social deve ser promovida através de políticas públicas, e não pela transferência de responsabilidades ao setor privado“.
Posicionamento do Governo do Estado
O Governo do Estado do Rio Grande do Norte defendeu a legalidade das cotas para trans e travestis, argumentando que a medida visa garantir dignidade e combate à discriminação no mercado de trabalho. O Executivo estadual justificou que a política de reserva de vagas é uma ação afirmativa para reduzir os obstáculos enfrentados por pessoas trans e travestis no mercado de trabalho e que, assim como ocorre no setor público, a mesma política deveria ser estendida a empresas privadas que recebem incentivos fiscais.
“Não é surpreendente que a mesma ação afirmativa chegasse ao setor privado, especialmente àquele que recebe incentivos fiscais para a prestação de sua atividade econômica”, apontou o governo, que ainda lembrou que há 33 anos vigora no país a política de reserva de vagas para pessoas com deficiência no setor privado.
Argumentos Jurídicos e Econômicos
O relator ressaltou que a interferência estatal, ao impor obrigatoriedades sobre a gestão de recursos humanos das empresas, infringe o princípio da livre iniciativa, previsto no artigo 170 da Constituição Federal. “A inclusão de minorias deve ser buscada por meio de medidas afirmativas justas, equilibradas e bem fundamentadas, e não por meio de imposições legais arbitrárias que podem gerar efeitos negativos tanto para as empresas quanto para os trabalhadores”, destacou o desembargador Claudio Santos.
Outro ponto levantado pela Corte foi o caráter tributário da penalidade prevista pela Lei Estadual nº 11.587/2023, que poderia resultar em perda de benefícios fiscais em caso de descumprimento. O relator indicou que essa disposição configura, em essência, uma majoração indireta da carga tributária sobre as empresas.
O caso segue aguardando o julgamento final das ADINs (processos nº 0808853-93.2024.8.20.0000 e nº 0809046-11.2024.8.20.0000), que decidirão se a reserva de vagas poderá ou não ser exigida das empresas beneficiadas com incentivos fiscais no Rio Grande do Norte.
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