O Rio Grande do Norte possui a maior prevalência de casos de Síndrome de Berardinelli-Seip no Brasil e no mundo, com elevada prevalência na região do Seridó. Conhecida também como Lipodistrofia Congênita Generalizada do tipo Berardinelli-Seip – LCG (abreviada em inglês como BSCL), trata-se de uma rara síndrome autossômica recessiva, caracterizada pela quase completa ausência de tecido adiposo corporal, resultando em alterações no metabolismo dos carboidratos, proteínas e lipídios. A confirmação é dos pesquisadores da UFRN, Julliane Campos e Josivan Lima, que estudam esse tema há bastante tempo.
Artigo publicado por eles em 2017 sugere que o problema tem relação com a consanguinidade – relação entre indivíduos que apresentam determinado grau de parentesco – que teria começado desde a chegada dos primeiros portugueses na região no século XVII. Isso teria resultado na manutenção e disseminação de alelos mutados, uma ocorrência genética que pode ter influenciando na elevada prevalência da LCG na região.
O estudo publicado pelo grupo de Julliane Campos, realizado pela UFRN em parceria com a Associação de Pais e Pessoas com a síndrome de Berardinelli do Estado do Rio Grande do Norte (ASPOSBERN), evidenciou que o RN apresenta uma prevalência de 32,3 casos por cada 1 milhão habitantes. Esse dado demonstra que a prevalência da síndrome no RN é quase 14 vezes maior se comparado à prevalência mundial (1 caso para cada 1 milhão de habitantes).
Casos da Síndrome de Berardinelli foram registrados em 19 cidades do RN, inclusive na região de Natal e Grande Natal, mas com concentração elevada em municípios da região do Seridó, com a maior prevalência registrada nas cidades de Carnaúba dos Dantas (498,05/100.000) e Timbaúba dos Batistas (217,85/100.000).
As pessoas com a LCG podem apresentar problemas de saúde relacionados ao sistema cardiorrespiratório, digestório, renal, reprodutor, tegumentar, sistema nervoso, entre outros. Elas possuem alterações metabólicas, com níveis elevados de triglicerídeos e baixos níveis do colesterol HDL na circulação sanguínea, além de resistência à insulina, diabetes mellitus, cardiomiopatias, alterações músculo-esqueléticas, cutâneas, entre outras.
Descrita inicialmente em 1954, pelo médico brasileiro Waldemar Berardinelli, mais de 70 anos depois a síndrome ainda é desconhecida no Brasil. No livro “Síndrome de Berardinelli-Seip – Aspectos Genéticos e Morfofisiológicos”, organizado por Julliane Campos e Josivan Lima, é apresentado oito tópicos sobre o tema com o objetivo de descrever as características genéticas, bioquímicas, morfológicas e fisiológicas da LCG.
Além disso, a obra publicada em formato digital pela Editora da UFRN traz informações sobre o diagnóstico correto da LCG, tratamento, ocorrências em cidades do Rio Grande do Norte e depoimentos de pessoas com a LCG e seus pais, focando nos desafios e preconceitos sofridos.
Diagnóstico e tratamento
A presença de características físicas marcantes nas pessoas com a LCG possibilita que o diagnóstico seja bastante preciso na maioria dos casos, podendo ser confirmados com exames laboratoriais e testes genéticos, os quais ajudam a definir o tipo de síndrome que o indivíduo possui.
Os estudos de biologia molecular encontraram quatro genes relacionados à síndrome de Berardinelli-Seip, tidos como principais, embora mutações em outros genes tenham sido observadas nos últimos anos. No RN, através do diagnóstico genético realizado nas pesquisas coordenadas pelo grupo, foram encontradas apenas pessoas com os tipos 1 e 2, com 90% dos casos sendo do tipo 2.
Contudo, segundo Julliane, as dificuldades para as pessoas com doenças raras no Brasil, o que inclui a Síndrome de Berardinelli-Seip, começam ainda na fase do diagnóstico, seja pela falta de acesso à assistência médica especializada, o que inclui profissionais da saúde capacitados em relação à essa patologia que afeta o tecido adiposo, seja também pelo desconhecimento dos próprios pacientes e familiares. Isso pode resultar, inclusive, em diagnósticos tardios e tratamentos equivocados.
Julliane Campos explica que ainda não existe cura para a LCG, apenas tratamentos recomendados para minimizar os efeitos das alterações metabólicas nesses pacientes. O acompanhamento médico, e por vezes acompanhamento multiprofissional, são indispensáveis e, associados à mudança de hábitos alimentares e atividades físicas, possibilitam uma melhor qualidade de vida aos indivíduos acometidos.
A convivência com a LCG
Virgínia Dantas e Márcia Maria Guedes Vasconcelos Fernandes são mães de filhos com Síndrome de Berardinelli–Seip e fundadoras da Asposbern, criada em 1998 no município de Currais Novos. Elas também estão entre os autores do livro sobre o tema, revelando relatos pessoais na luta em busca de melhor qualidade de vida para os próprios filhos que se estende a outras pessoas com LCG.
Virgínia diz que é um grande desafio criar um filho com uma doença rara como essa, pois é preciso enfrentar situações de preconceitos, além dos problemas decorrentes da doença. Mesmo diante dessas dificuldades, reconhece que é preciso manter a esperança de viver. “Sempre existe um caminho a percorrer, um sonho a alcançar”, diz.
Segundo Márcia Guedes, quando o primeiro filho foi diagnosticado com a LCG precisou de tempo para lutar contra as próprias angústias. As sensações eram de medo e revolta. Porém, 31 anos depois, se considera uma pessoa realizada e feliz. “A luta é grande demais, é desigual e dolorosa, mas não desistimos nunca”, reforça.
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