Nervos sensoriais podem ter papel fundamental no comportamento de tumores e ser alvo de futuros tratamentos que bloqueiem a progressão do câncer. É o que demonstra pesquisa brasileira responsável por comprovar que o sistema nervoso inibe o crescimento de células malignas do melanoma. O estudo, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com colaboradores do Instituto do Cérebro (ICe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade de São Paulo (USP) e Columbia University de Nova York, foi publicado no “Journal of Cellular and Molecular Medicine”.
Os pesquisadores realizaram transplantes de células de câncer – em camundongos transgênicos, com nervos sensoriais demarcados com fluorescência vermelha para detectar a presença das fibras do sistema nervoso no microambiente tumoral. Em seguida, eles avaliaram o efeito de eliminar os nervos dos camundongos, tanto genética como farmacologicamente, no desenvolvimento e progressão do tumor.
Os tumores de camundongos sem nervos sensoriais apresentaram modificações do seu comportamento, com aumento da vascularização e do tamanho. Como o crescimento in vivo das células tumorais foi acelerado após a eliminação genética e farmacológica desses nervos, o estudo indica que os nervos sensoriais neutralizam a progressão do melanoma.
Genes de bancos de dados das amostras de biópsias de câncer de humanos com melanoma também foram utilizados na análise do estudo. Essa etapa revelou que o aumento da expressão de genes presentes em nervos sensoriais nos tumores foi associado a melhores resultados clínicos nestes pacientes.
Apesar de iniciais, as descobertas trazem contribuições que podem se tornar relevantes para o tratamento dos diversos tipos de câncer. “Isso abre as portas para uma possibilidade futura de tratamento que pode agir justamente no papel desses nervos no microambiente tumoral. Imagine controlar um tumor de dentro, de forma que ele promova a própria extinção? Descobrimos que os nervos sensoriais podem bloquear a progressão do melanoma, impedindo seu crescimento”, afirma o pesquisador Alexander Birbrair, pesquisador da UFMG e coordenador do estudo. O estudo pode servir de base para o desenvolvimento de métodos e tratamentos menos invasivos de combate às células tumorais.
Os resultados do estudo jogam luz sobre a importância da preservação dos nervos sensoriais em indivíduos acometidos pelo câncer. A mortalidade da doença aumentou durante a pandemia da Covid-19, devido à queda nos diagnósticos e no atendimento de pacientes em tratamento.
“Sabemos que vários tratamentos quimioterápicos, que são muito tóxicos aos pacientes, podem, além de tentar matar as células malignas, afetar os nervos sensoriais. Se estes tratamentos estão matando os nervos sensoriais, baseado nos nossos dados iniciais, isso pode não ser bom para a progressão do tumor nestes pacientes, esperando-se uma piora clínica”, explica Alexander.
Por serem resultados iniciais, Alexander e seu grupo não têm como prever se o uso de uma droga ou outro mecanismo capaz de modular as inervações sensoriais poderia ser utilizada como terapia em humanos. O grupo pretende continuar a pesquisa focando-se em estabelecer a cronologia da importância dos nervos sensoriais em diferentes estágios da progressão tumoral. Além disso, eles estão investigando mais detalhes sobre os mecanismos celulares e moleculares envolvidos na regulação dos tumores pelo sistema nervoso e pretendem focar, também, em outros tipos de câncer.
A pesquisa recebe financiamento do Instituto Serrapilheira, apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológicos (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
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