O Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN) apresentou três ações de improbidade contra 25 pessoas e quatro empresas envolvidas no desvio de recursos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit), descoberto pela operação Via Ápia, em novembro de 2010. As irregularidades envolveram a duplicação do Lote 2 da BR-101. Dentre os réus estão o ex-superintendente do Dnit/RN, Fernando Rocha Silveira, e o ex-chefe de Engenharia, Gledson Maia, além de empresários e representantes do consórcio Constran–Galvão–Construcap.
As ações são assinadas pelo procurador da República Fernando Rocha de Andrade e os réus foram divididos em três grupos (confira detalhes ao final do texto). Ao todo, o MPF aponta desvio de R$ 13.902.242,02. A Via Ápia revelou a existência de diversas irregularidades na execução dos 35,2km de obras do Lote 2, entre o município de Arês e a divisa com a Paraíba.
Foram identificados má execução dos serviços, omissão na fiscalização, prorrogação indevida dos prazos e transferência irregular dos recursos, sem contar a liberação de trechos sem licença de operação. Apesar dos indícios de irregularidades, confirmados posteriormente por órgãos com o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU), Fernando Rocha Silveira não aplicou ao consórcio sanções pelas falhas ou atrasos.
Além das empresas consorciadas, também há envolvimento da ATP Engenharia Ltda., responsável pela supervisão da obra e que deveria auxiliar o Dnit a fiscalizar os serviços, mas que trabalhou para “atender aos objetivos escusos do consórcio executor da obra”. A duplicação do lote se iniciou em 2006 e o contrato passou por sete aditamentos. Um deles, o 6º aditivo, de setembro de 2010, aumentou em R$ 15,9 milhões o valor total da obra, que alcançou R$ 214 milhões.
Esse sexto aditivo foi assinado em meio a diversas fraudes e, ainda assim, aprovado pela Superintendência Regional do Dnit/RN, com pareceres favoráveis da ATP Engenharia e do fiscal do contrato, Luiz Maiolino, terceiro funcionário do Dnit incluído nos atos de corrupção, além de Fernando Rocha Silveira e Gledson Maia, este último apontado como autor intelectual do esquema.
Propinas – Nas gravações feitas pela Polícia Federal, os subornos pagos aos funcionários do Dnit eram tratados por nomes como “Pão de São Carlos”, “cogumelo”, “rapadura”, “encomenda”, “camarão”, “livro”, “relatório”. Em diversas ligações interceptadas, os envolvidos tratavam das negociatas. Em uma delas, Mário Sérgio Molinar (da Constran), pergunta a Gilberto Ruggiero (gerente do consórcio): “(…) aquele camarão lá, que o Maiolino pediu, você levou pra ele?” E recebe a resposta: “Não, tá lá no meu bolso.”
Imagens do circuito interno de um hotel de Natal comprovam um dos encontros, em julho de 2010, entre Gilberto e Gledson Maia. O primeiro levava a propina em uma bolsa. No mesmo dia, havia sido sacado R$ 50 mil da conta bancária do consórcio, sem qualquer justificativa. Gilberto ligou a Gledson e informou: “Então! eu tô com aquele resto aqui (…)” E o chefe de Engenharia respondeu: “Faça o seguinte…(…) Dê um pulinho aqui!”
Já em 10 de setembro, o carro de Andrev Yuri (funcionário da ATP) foi parado pela Polícia Federal vindo de Recife para Natal. Na vistoria, foi encontrada na mala um pacote lacrado que Andrev confessou conter R$ 180 mil em espécie. Ele alegou que seria para pagamento de contas da empresa, porém ao chegar na capital potiguar trocou de veículo e se dirigiu à casa de Gledson Maia.
Ao ser interrogado, Andrev admitiu pagamento de valores ao chefe de Engenharia do Dnit, mas alegou que se resumia a uma doação à campanha eleitoral do deputado federal João Maia, tio de Gledson. No mesmo dia da entrega, contudo, Andrev foi interceptado conversando com outro funcionário da ATP, Marlos Wilson, sobre o pagamento de propina a representantes do Dnit.
“É verdade” – Quando da deflagração da Via Ápia, foram apreendidos R$ 258 mil em poder de Luiz Maiolino. O funcionário realizou ligações e informou à irmã que estava sendo preso e, ao comentar que a denúncia era sobre crimes de corrupção no Dnit, confirmou: “Pior que é verdade, né? Pior que é verdade” e ainda acrescentou: “o pior é que vão encontrar coisa…”.
Os três funcionários do Dnit envolvidos na Via Ápia também já foram citados em outras irregularidades, como os atos de corrupção desbaratados pela operação Mão Dupla, deflagrada no Ceará. Já no tocante à Via Ápia, foram identificados na conta de Fernando Rocha Silveira depósitos (de R$ 10 mil e R$ 20 mil) que coincidiam com os períodos de pagamentos realizados ao consórcio.
O nome do ex-superintendente e de empresas que pagaram suborno aos representantes do Dnit foram encontrados em um manuscrito e também em uma planilha de Gledson Maia, quando este foi preso em flagrante no estacionamento de uma churrascaria, em 4 de novembro de 2010, recebendo propina de Túlio Beltrão Filho, cuja empresa realizava uma obra para o Dnit na BR-304.
Parte do suborno pago a Gledson pela Constran–Galvão–Construcap foi encaminhado através de José Luís Horto, sócio de uma pedreira contratada pelo consórcio. Gilberto Ruggiero remetia o dinheiro para a conta da pedreira de José Luís, que repassava a propina a Gledson Maia.
Desvios – Foram utilizadas diferentes maneiras de desviar recursos da obra. Uma delas diz respeito à ponte sobre o Rio Curimataú, em Canguaretama. As fundações foram erguidas sobre solo instável e parte da obra cedeu. Para solucionar o problema, o consórcio utilizou um método de estabilização do solo, chamado CPR, mas registrou a utilização de outra metodologia, a Jet Grouting, de custo muito mais elevado. Só essa irregularidade causou prejuízo de R$ 1.406.048,01 aos cofres públicos.
Representantes das empresas (Ruggiero, Frederico Eigenheer Neto e Marlos Wilson) chegaram a se reunir na sala de Fernando Rocha Silveira. Eles acordaram que deveriam uniformizar os operários e adesivar as máquinas com a palavra “Jet Grouting”, como forma de burlar a fiscalização do TCU, ou paralisar o serviço e retirar as máquinas.
A relação “extracontratual” dos envolvidos era tamanha que, em outra oportunidade, Fernando Rocha Silveira chegou a ameaçar representantes da ATP que estavam querendo remanejar seu sobrinho, funcionário da empresa: “(…) não gostaria de ver esse meu sobrinho do lado de fora (…) entendeu? Aí seria uma agressão da ATP com a minha pessoa né? (…) porque eu tenho uma atenção toda especial com a ATP, sabe? e gostaria de ter a mesma…em contrapartida a mesma atenção né?”
Outra forma de desvio foi a inexecução de parte dos serviços e a adulteração das medições, que estabeleciam o que tinha de ser pago ao consórcio. Também foram faturados os valores dos serviços de terraplenagem, em um prejuízo de R$ 4.222.566,07 para o Dnit. Houve superfaturamento nos serviços de fornecimento e colocação de geodrenos, com dano de R$ 2.778.139,32 ao poder público. Outra forma utilizada foi superfaturar o preço do transporte de materiais betuminosos. A ilegalidade representou um impacto extra de R$ 591 mil.
Ação penal – As primeiras denúncias contra os envolvidos na Via Ápia foram apresentadas pelo MPF em agosto de 2011. Na ocasião, Gledson Maia, Fernando Rocha Silveira, Luiz Maiolino, Frederico Eigenheer Neto, Gilberto Ruggiero, Adrev Yuri, Marlos Andrade, Emir Napoleão Kabbach, José Luís Arantes Horto e Mário Sérgio Molinar foram denunciados pela prática dos crimes de formação de quadrilha, peculato, corrupção ativa e passiva, além de crime contra a lei de licitações.
Em novembro de 2013, o MPF incluiu na ação os réus Dário Galvão Filho, Eduardo Galvão, Mário Galvão, José Gilberto Valentin, Ricardo Cordeiro, Frank Balarotti, Jorge Aun, José Roberto Bertoli, Luiz Nogueira, Roberto Capobianco, Eduardo Capobianco, Celso Villas Boas, José Theodózio Netto, Marco Aurélio Guimarães e Carlos Eduardo de Paiva.
Réus e funções de cada à época dos atos de corrupção
Gledson Golbery de Araújo Maia – chefe de Engenharia do Dnit/RN
Fernando Rocha Silveira – superintendente regional do Dnit/RN
Luiz Henrique Maiolino de Mendonça – servidor do Dnit/RN e fiscal do contrato
Frederico Eigenheer Neto – gerente comercial do consórcio executor da obra
Gilberto Ruggiero – gerente-geral do consórcio executor da obra
Adrev Yuri Barbosa Fornazier – funcionário da ATP Engenharia
Marlos Wilson Andrade Lima de Góis – engenheiro civil da ATP Engenharia
Emir Napoleão Kabbach – diretor da Constran
José Luís Arantes Horto – sócio da Pedreira Potiguar Ltda. – ME
Mário Sérgio Campos Molinar – engenheiro civil da Constran
Dário de Queiroz Galvão Filho – representante da Galvão Engenharia
Eduardo de Queiroz Galvão – representante da Galvão Engenharia
Mário de Queiroz Galvão – responsável técnico da Galvão Engenharia
José Gilberto de Azevedo Branco Valentin – presidente da Galvão Engenharia
Ricardo Cordeiro de Toledo – diretor da Galvão Engenharia
Frank Adriano Balarotti de Araújo – diretor da Galvão Engenharia
Jorge Alberto Aun – responsável técnico da Constran
José Roberto Bertoli – representante legal da Constran
Luiz Sérgio Nogueira – representante legal da Constran
Roberto Ribeiro Capobianco – sócio, diretor vice-presidente e responsável técnico da Construcap
Eduardo Ribeiro Capobianco – sócio e diretor vice-presidente da Construcap
Celso Verri Villas Boas – procurador da Construcap
José Theodózio Netto – sócio-administrador da ATP Engenharia
Marco Aurélio Costa Guimarães – responsável técnico da Construcap e lobista do consórcio
Carlos Eduardo Albuquerque de Paiva – engenheiro supervisor da ATP Engenharia
Constran S/A – Construções e Comércio – empresa integrante do consórcio executor da obra
Galvão Engenharia S/A – empresa integrante do consórcio executor da obra
Construcap-Ccps Engenharia e Comércio S/A – empresa integrante do consórcio executor da obra
ATP Engenharia Ltda.. – empresa responsável pela supervisão da obra
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