Uma ação conjunta resgatou duas trabalhadoras domésticas de condições análogas à escravidão na última quarta-feira (26/01), no Rio Grande do Norte. A primeira delas foi resgatada em Mossoró, na região Oeste, e a segunda em Natal, capital do estado. As ocorrências foram as primeiras relativas a trabalho doméstico em condições análogas à escravidão em 27 anos de registro de casos dessa natureza pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e Previdência.
“Além da exploração irregular do trabalho, ainda observamos, nos dois casos, maus tratos e, no caso de Natal, ameaças, abusos e excesso de poder disciplinar. No caso de Mossoró, houve ainda o assédio sexual, o que torna as condições ainda mais indignas. Psicologicamente eram situações muito degradantes“, explica a procuradora Cecília Amália Santos, do Ministério Público do Trabalho (MPT), que participou da operação no Rio Grande do Norte. Integraram a ação fiscal, além da Inspeção do Trabalho e do MPT, a Defensoria Pública da União (DPU) e a Polícia Federal (PF).
O resgate em Mossoró ocorreu após a constatação de trabalhos forçados, condições degradantes, jornadas exaustivas e restrição de liberdade. De acordo com o relatório da ação, a vítima foi morar e trabalhar na residência da família aos 16 anos de idade, o que está em desacordo com a legislação brasileira, que proíbe o trabalho infantil doméstico, listado como uma das piores formas de trabalho infantil pelo Decreto nº 6.481/2008. A equipe de fiscalização constatou que ela não tinha vínculo de emprego na carteira de trabalho, nunca recebeu salários, não gozou de férias, trabalhava regularmente aos finais de semana e não teve o FGTS recolhido.
“O trabalho doméstico análogo ao de escravo é invisibilizado porque é normalizado. Infelizmente ainda é muito comum que famílias peguem meninas no início da adolescência para criar, em troca de oferecimento de estudos. Só que essa oportunidade de estudo nunca vem e essas meninas acabam ficando para sempre cuidando daquela família, exercendo atividades de cuidado, todos os dias, sem controle de jornada, sem finais de semana, férias ou recebimento de salário. Isso durante décadas. O que percebemos é a normalização de uma cultura patriarcal que diz que a atividade de cuidado não merece remuneração, o que não é verdade“, pontua a procuradora Cecília Santos.
No resgate realizado em Natal, a equipe constatou que a empregada doméstica trabalhava havia cinco anos na residência, de segunda-feira a domingo, ficando à disposição da empregadora 24 horas por dia e descansando apenas a cada 15 dias. Ela nunca teve férias e trabalhava normalmente nos feriados. A trabalhadora dormia no quarto da empregadora, num colchão no chão. Também estava sem registro em carteira de trabalho, recebendo um salário de R$ 500 por mês. Todos os seus pertences ficavam dentro de uma mochila.
“Durante o período em que estiveram com essas famílias, essas mulheres não tiveram acesso a nenhum tipo de curso de profissionalização – ou seja, a promessa original de estudo nunca foi cumprida e ambas permanecem analfabetas“, registra a procuradora. De acordo com ela, essas mulheres também perderam o direito à socialização. “É um dano existencial, que vai além do dano moral; aquilo que foi perdido durante a adolescência e a juventude não é possível ter de volta. Por mais que consigamos indenizar essas trabalhadoras, o tempo de vida não tem como ser compensado“, explica.
Os empregadores foram notificados, após o resgate, a regularizar o vínculo de emprego com as trabalhadoras e a quitar suas verbas rescisórias, recolher o FGTS e as contribuições sociais previstas em lei. As empregadas domésticas resgatadas têm direito ao recebimento de três parcelas do Seguro-Desemprego Especial do Trabalhador Resgatado e foram encaminhadas ao Centro de Referência da Mulher para atendimento prioritário a mulheres vítimas de violência doméstica, nos termos da Lei Complementar nº 150/2015 e da Lei Maria da Penha.
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