Representantes de comunidades pesqueiras artesanais de 18 estados brasileiros reuniram-se em Brasília esta semana no evento “Grito da Pesca Artesanal” para reivindicar maior atenção do governo às suas necessidades. Os cerca de 800 participantes discutiram com órgãos governamentais e entidades a violação de direitos, a regularização de comunidades tradicionais e os impactos das mudanças climáticas em suas vidas e trabalho.
Relatos de pescadores como Rita de Cássia da Silva, de 45 anos, da Praia de Macau (RN), ilustram as dificuldades enfrentadas pela categoria. Rita, que aprendeu a pescar com a avó aos 7 anos por “necessidade”, testemunhou a violência que permeia a atividade. Seu marido foi morto a tiros em 1993 por um vigia de uma empresa de criação de camarões enquanto pescava para sustentar a família.
Além da violência, as mudanças climáticas são uma grande preocupação. “A mudança do clima é nítida. Hoje é muito mais quente e existem, por exemplo, muito menos anchovas, tainhas e xaréus”, relata Rita, referindo-se à diminuição de espécies na região. Viviane Machado Alves, de 44 anos, pescadora da Ilha dos Marinheiros, em Rio Grande (RS), também sofre com os efeitos do clima. As enchentes do primeiro semestre destruíram a ponte que ligava a ilha ao estuário da Lagoa dos Patos, dificultando o acesso a benefícios, a reconstrução de casas e a autorização para pesca em uma área mais ampla.
No Rio São Francisco, a poluição e as mudanças climáticas também afetam a vida de pescadores como João Batista da Silva, de 50 anos, da comunidade quilombola Caraíbas, em Pedras de Maria da Cruz (MG). “Temos sentido muito a falta do surubim, do pacamão e do curimatã. Antes era muito diferente”, lamenta João Batista, que sustenta nove filhos com a pesca e comercializa o pescado no centro da cidade. Ele denuncia ainda ameaças de violência relacionadas à sua atividade de proteção ambiental, e atualmente está sob proteção governamental.
A Pastoral dos Pescadores e Pescadoras oferece apoio às comunidades na preservação e proteção das áreas, buscando minimizar as desigualdades e a histórica escassez de políticas públicas, segundo Marcelo Apel, secretário de Economia Solidária da entidade.
Cristiano Ramalho, secretário Nacional de Pesca Artesanal do Ministério da Pesca e Aquicultura, reconhece o déficit histórico de políticas públicas para as comunidades pesqueiras. Ele afirma que o governo federal tem incentivado denúncias de violações de direitos e acionado órgãos estaduais em casos de conflitos, poluição e mudanças climáticas. Ramalho mencionou o programa Povos da Pesca Artesanal, lançado em 2022, que articula diferentes ministérios e parcerias governamentais, com foco em ações como bolsas de estudo para jovens, fortalecimento da cadeia produtiva e combate ao racismo ambiental.
O programa inclui a construção do primeiro Plano Nacional da Pesca Artesanal e busca atender cerca de 1,2 milhão de pessoas que trabalham na atividade, 80% delas concentradas no Nordeste e Norte do Brasil, em sua maioria homens e mulheres negros, segundo Ramalho. O secretário defende o reforço das políticas de Estado para essa categoria em situação de vulnerabilidade.
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