O Laboratório de Neuroimagem do Hospital Universitário Onofre Lopes – vinculado a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e à Rede Hospitalar Ebserh, juntamente com o Departamento de Fisiologia e Comportamento da UFRN estão na trilha do pioneirismo na ciência psicodélica brasileira, pois realizaram o primeiro teste clínico controlado com essa classe de substâncias, obtendo promissores resultados em pesquisa sobre o chá de ayahuasca, que revelou potencial anti-inflamatório e no tratamento da depressão.
O estudo da UFRN foi publicado internacionalmente no último dia 10, no periódico especializado Journal of Psychopharmacology, podendo representar um novo achado na neurobiologia da depressão.
Quem lidera a pesquisa é a bióloga Nicole Leite Galvão Coelho, do Departamento de Fisiologia e Comportamento da UFRN, atualmente em pós-doutorado na Universidade de Western Sydney (Austrália). A fisiologista colabora com o laboratório de Neuroimagem do Huol, coordenado por Dráulio Araújo, e que conta com a pesquisadora Fernanda Palhano Fontes, responsáveis pelo estudo randomizado com grupo placebo.
Embora não seja predominante a associação entre depressão e inflamação do organismo, sabe-se que a modulação de diversas substâncias favorece atenuar os quadros depressivos. “É o primeiro estudo no mundo que aponta em humanos, tanto pacientes quanto pessoas saudáveis, a ação anti-inflamatória de um psicodélico clássico”, afirma Nicole. “Antes disso, só alguns outros in vitro e com modelos animais já haviam demonstrado esse potencial”.
O estudo analisou o sangue de 28 participantes com depressão nesse teste clínico pioneiro (14 tomaram ayahuasca e 14, placebo), além de 45 pessoas sem o transtorno. As amostras foram colhidas antes do tratamento e 48 horas depois. Para medir o grau de inflamação, ela usou uma proteína (conhecida pela abreviação CRP) produzida em maior quantidade no fígado quando ocorre a reação inflamatória do sistema imune.
“A ayahuasca reduziu de maneira significativa, após 48 horas, tanto a inflamação quanto a depressão, simultaneamente”, garante Nicole Leite.
A reação inflamatória, assim como a ação de psicodélicos para atenuá-la, podem ser a chave para avançar no tratamento do tipo resistente de depressão. Ele aflige um terço dos mais de 300 milhões de pessoas com o transtorno no mundo, que não conseguem melhora com os antidepressivos convencionais, baseados na inibição da reciclagem de serotonina pelo sistema nervoso.
Essa foi a forma da doença investigada no estudo pioneiro da UFRN, cujos participantes sofriam com ela há 11 anos, em média. A pergunta que o grupo gostaria de responder é se níveis alterados de cortisol, chamado também de hormônio do estresse, estariam na raiz da resistência aos medicamentos disponíveis.
Isso porque, no caso dos pacientes crônicos, o nível de cortisol aparece diminuído, enquanto nos que apenas começam a apresentar sintomas de depressão ele costuma subir. A quantidade rebaixada do hormônio poderia talvez explicar a inflamação discreta constatada nos doentes com depressão resistente.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas com depressão aumentou 18,4% de 2005 a 2015. Com a pandemia de Covid-19 e os vários graus de isolamento social que acarretou, sem data certa para acabar, parece provável que o transtorno crescerá para se tornar o grande mal do século 21.
O chá indígena
A ayahuasca é uma bebida originada de rituais xamânicos e indígenas de várias etnias do Brasil e do Peru, preparado com dois ingredientes vegetais: folhas do arbusto chacrona (Psychotria viridis) e casca do cipó caapi (Banisteriopsis caapi).
A chacrona contém o principal composto psicoativo do chá, a n,n-dietiltriptamina (DMT). O caapi fornece os alcaloides harmina, harmalina e tetrahidroarmina, que inibem uma enzima degradadora da DMT e, com isso, prolongam o efeito psicodélico.
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