Uma expedição científica sem precedentes está em andamento: a primeira circum-navegação da Antártica. Liderada pelo Brasil, a missão envolve 61 pesquisadores de sete países – Brasil, Rússia, China, Índia, Argentina, Chile e Peru – em uma jornada de aproximadamente 14 mil quilômetros ao redor do continente gelado.
A viagem, iniciada em 22 de novembro de 2024, a partir do Rio Grande do Sul, utiliza o navio quebra-gelo Akademik Tryoshnikov, cedido pelo Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica da Rússia. Com mais de 130 metros de comprimento, a embarcação é capaz de quebrar placas de gelo de até 2 metros de espessura, garantindo acesso próximo à costa antártica.
O professor Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lidera a missão. Simões, uma autoridade em geografia polar com ampla experiência na região, destacou a importância da expedição: “Nós estamos visualizando nas duas regiões polares, as mais intensas, mais rápidas e ampliadas mudanças do clima que afetam o nosso cotidiano“.
A circum-navegação, prevista para durar até 12 de janeiro de 2025, incluirá paradas na Ilha Rei Jorge, próxima à Estação Antártica Comandante Ferraz, e, posteriormente, em Rio Grande (RS), entre os dias 23 e 25 de janeiro.
Os pesquisadores estão divididos em equipes com diferentes atribuições, focando em três áreas principais:
- Monitoramento das calotas de gelo: estudo da dinâmica das plataformas de gelo e sua resposta às mudanças climáticas, com foco na velocidade de derretimento das geleiras e seu impacto no nível do mar. Segundo o professor Simões, “Nós temos plataformas de gelo flutuando e é ali que se rompem os icebergs. Só que nós já estamos observando, há 20 anos, que muitas dessas plataformas estão desaparecendo, elas estão desintegrando. E o aquecimento do oceano e da atmosfera também pode estar lubrificando o manto de gelo da Antártica, e isso faz com que o manto de gelo vá embora. O que isso implica? Em 200, 300 anos, o aumento de 6 a 7 metros no nível do mar. Porto Alegre, por exemplo, vai pra debaixo d’água. É uma hipótese séria“
- Análise do clima do continente: coleta de amostras de neve compactada para reconstruir informações climáticas de anos anteriores, além da análise constante do ar antártico para pesquisas atmosféricas.
- Detecção de microplásticos: coleta de amostras de água para avaliar a concentração de microplásticos e outros poluentes.
A colaboração internacional é um aspecto crucial da expedição. Além dos 61 cientistas a bordo, dezenas de outros pesquisadores fornecem apoio terrestre. A professora Rosemary Vieira, do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordena uma equipe que analisará sedimentos marinhos e terrestres (se as condições permitirem), explicando que “Os sedimentos são ótimos arquivos que guardam informações dessas mudanças, tanto as que estão em curso como as que ocorreram no passado. Diversas análises são aplicadas e geram dados sobre as condições ambientais e climáticas que podem ter ocorrido milhares de anos atrás até o presente“.
A professora Vieira também destaca a importância da Antártica para o clima global: “Apesar de sua posição polar, e aparentemente afastada dos outros continentes, a Antártica é vital para a vida no planeta, e sim, tem impactos sobre a nossa vida cotidiana. Ela é um dos principais reguladores climáticos e o que acontece na Antártica tem reflexo em todo o planeta. Se olharmos o mapa, o continente e a área do gelo marinho têm contato com todos os oceanos. No Brasil, o regime de chuvas e as temperaturas, que são tão importantes na produção de alimentos estão diretamente vinculados ao que acontece na Antártica“.
Para o professor Simões, a expedição já proporcionou um importante aprendizado: “A questão da diplomacia da ciência. Ou seja, resolver problemas mútuos, com interesses mútuos, por uma ciência de vanguarda, pela cooperação internacional. É um desafio coordenar cientistas de sete países, com cinco línguas diferentes, certamente culturas e hábitos diferentes. Mas nós podemos trabalhar em conjunto“.
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