A moeda norte-americana atingiu a marca histórica de R$ 6,10 nesta sexta-feira (29), acumulando recordes de alta desde quarta-feira (27). Especialistas apontam para um cenário complexo, com fatores internos e externos contribuindo para essa valorização.
Um dos principais fatores internos é a frustração do mercado com o pacote de cortes de gastos anunciado pelo governo federal. O Executivo propôs um corte de R$ 70 bilhões em dois anos e R$ 327 bilhões em cinco anos. André Roncaglia, diretor-executivo do Brasil no FMI e professor da UnB, destaca: “O mercado esperava um pacote de cortes e o que veio foi um pacote de contenção do crescimento dos gastos. O mercado ficou frustrado porque esperava um caminho mais austero no sentido de efetivamente reduzir a quantidade de dinheiro gasto no agregado pelo governo e o que o governo entregou foi diminuir o quanto vai aumentar o gasto”.
A proposta de isenção do Imposto de Renda (IR) para trabalhadores com rendimentos de até R$ 5 mil também gerou preocupações. Paulo Gala, professor da FGV e economista-chefe do Banco Master, afirma que essa medida, que poderia onerar os cofres públicos em mais R$ 50 bilhões sem medidas compensatórias, causou “pânico” no mercado. Ele ressaltou em uma rede social: “O ajuste no arcabouço fiscal demorou quatro semanas e quando veio, veio junto com uma medida que pode onerar os cofres públicos em mais R$ 50 bilhões se nenhuma medida compensatória for feita. Ou seja, se misturou um pacote de isenção de tributação, que não estava no radar, e foi uma surpresa. Agora, fica o medo de que nem venha o corte de gastos e, se vier, ele seja compensado com corte de imposto”.
O governo, porém, afirma que a isenção será compensada pelo aumento da tributação para quem ganha acima de R$ 50 mil, mantendo a neutralidade na arrecadação, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, declarou publicamente que a isenção do IR dependerá das condições fiscais do país. “Só poderá acontecer se, e somente se, tivermos condições fiscais para isso. Se não tivermos, não vai acontecer“, disse o senador.
No cenário internacional, a incerteza em relação ao futuro governo de Donald Trump nos Estados Unidos também contribui para a alta do dólar. César Bergo, economista e professor da UnB, explica: “Sobretudo em função das medidas que Trump vem anunciando, com o protecionismo e a questão da taxação dos comércios e seu discurso de fortalecimento do dólar. Tudo isso tem afetado o preço do dólar. Contribui também a política monetária americana, que na dúvida não reduz a taxa de juros, então também fortalece o dólar no mundo inteiro”.
André Roncaglia aponta ainda para a volatilidade do real no mercado internacional de derivativos, onde ocupa a terceira posição em volume de negociações, atrás apenas do dólar e do euro. Ele utiliza a seguinte analogia: “Isso faz do real uma moeda excessivamente volátil. Qualquer espirro que aconteça no plano internacional se traduz aqui com um resfriado, uma gripe ou até algo mais grave como uma pneumonia”.
A incerteza sobre a política americana, segundo ele, mantém os juros altos nos EUA, o que agrava a situação do real: “Quando os juros nos EUA estão altos a gente tende a perder muito mais dólares proporcionalmente aos nossos pares da periferia do sistema por essa característica específica do real. Ou seja, a combinação desses elementos externos faz com que a reação associada ao pacote fiscal interno agrave um processo que já está ocorrendo no plano internacional, que é o dólar se valorizar perante todas as moedas, particularmente as moedas dos países em desenvolvimento”.
Para Roncaglia, a reação do mercado financeiro à proposta de aumento de impostos para os mais ricos é defensiva: “A mensagem foi mal recebida por parte do mercado financeiro que, de repente, estava pedindo corte de gastos e viu que vai ter que participar do ajuste por meio de um aumento na tributação sobre os rendimentos do topo da pirâmide. Os investidores acabam jogando contra o real, não porque eles querem jogar contra a moeda, mas porque é uma reação defensiva, já que eles não sabem para onde vai a política tributária”.
O governo e o Congresso esperam votar o corte de gastos ainda este ano. Governo e Congresso esperam votar corte de gastos ainda neste ano.
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