Um estudo recente do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), publicado na revista *Nature*, revela o potencial do Brasil para substituir plásticos derivados de combustíveis fósseis por bioplásticos, sem aumentar significativamente a área cultivada ou impactar negativamente a biodiversidade e os recursos hídricos. A pesquisa analisou cenários até 2050, considerando a utilização de áreas de pastagem degradadas para o cultivo da cana-de-açúcar, matéria-prima viável para a produção de polietileno de base biológica (bioPE).
O estudo aponta que 3,55 milhões de hectares poderiam ser utilizados para produção de bioplástico, sem impactos ambientais significativos, para atender uma demanda global estimada em 22 milhões de hectares até 2050. As áreas mais promissoras estão em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, região que, infelizmente, sofreu com um aumento significativo de queimadas este ano, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A pesquisa também modelou um cenário preocupante: o aumento do consumo de petróleo na produção de plásticos, de 5-7% para 20% da produção total, elevando a participação das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) de 2% para 15%. Este cenário destaca a urgência de uma transição para alternativas sustentáveis, como o bioPE. Diversas universidades e empresas já desenvolvem tecnologias para a produção de bioPE a partir de culturas como mandioca, batata doce e fibra de coco, mas a cana-de-açúcar se destaca como uma opção forte e promissora.
De acordo com Thayse Hernandes, doutora em planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp e pesquisadora líder da área de Biodiversidade e Ecossistemas no CNPEM, o bioPE tem o potencial de ser um insumo chave em uma economia de baixo carbono. Entretanto, a pesquisadora destaca um gargalo crucial: “o descarte desse plástico e o seu retorno a essa cadeia com o material reciclado. Por mais que seja de origem biológica, a principal vantagem dele vai ser estocar carbono e tirar carbono da atmosfera, mas o problema do plástico, lá no final do descarte, é que ele continua sendo o mesmo do plástico fóssil“. O bioPE, embora substitua o petróleo, não é biodegradável, tornando a reciclagem imprescindível.
Hernandes enfatiza a necessidade de uma eficaz gestão de resíduos, afirmando que “O grande gargalo é a coleta. É aquela tecnologia social mesmo, de organizar e evitar esse descarte irregular e irresponsável desse plástico, porque aí não tem jeito, ele vai chegar ao oceano e a gente não tem o que fazer com ele. Isso é uma questão de governança, por exemplo, das prefeituras, dos estados, do próprio governo federal. Por mais que se tenha um processo de reciclagem avançado, que o uso da terra esteja resolvido, vamos precisar desse esforço de coleta, ou a gente não conseguiria produzir de forma sustentável, teria que ter esses impactos negativos relacionados à produção“.
Cenários sem uma eficiente coleta de resíduos demonstram que a produção de bioPE pode competir com outras culturas, diminuindo a eficiência e gerando tensões sociais e ambientais, além de impactos climáticos mais severos. A pesquisa ressalta a importância da colaboração entre governos, indústrias e sociedade para garantir a sustentabilidade da produção e do ciclo de vida do bioplástico, assegurando que os benefícios ambientais sejam realmente alcançados. A eficiência da reciclagem é a chave para garantir a viabilidade ambiental a longo prazo desta alternativa promissora.
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