O prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos), enviou à Câmara Municipal um projeto de lei que destina R$ 61 milhões às empresas de ônibus da cidade, sob o título de “subsídio” ao transporte público. Mas, ao analisar de perto, fica claro que o repasse é mais uma doação milionária, sem exigência de contrapartidas para melhorar a qualidade do serviço oferecido aos cidadãos. Em um transporte que há anos enfrenta problemas de atraso, superlotação e diminuição das linhas, a proposta não exige melhorias efetivas nem prevê benefícios diretos ao usuário — apenas garante a estabilidade financeira das concessionárias que já atuam de forma quase que exclusiva.
A proposta enviada em regime de urgência destina R$ 1 milhão para 2024 e R$ 60 milhões para 2025, com novos repasses a serem definidos na Lei Orçamentária Anual (LOA) nos anos seguintes. A justificativa do prefeito inclui o argumento de que o subsídio ajudará a manter a “acessibilidade” das tarifas, fixadas em R$ 4,50, um valor que, como muitos sabem, não é nada leve para o bolso do trabalhador. Em sua defesa, a prefeitura também alega que o apoio financeiro garantirá o equilíbrio econômico das empresas de ônibus, o que, na prática, significa proteger seus lucros.
Mas onde, afinal, entra o cidadão nessa equação? A proposta não prevê a ampliação das linhas nem uma melhoria concreta nos veículos. Com os recursos saindo dos cofres públicos, não há qualquer compromisso para a adoção de ônibus com ar-condicionado ou de condições mais dignas para o usuário. Cidades como João Pessoa e Recife já contam com veículos mais confortáveis, enquanto, em Natal, continuamos com uma frota que envelhece e não oferece o mínimo de conforto para quem precisa do transporte coletivo diariamente.
Discurso besta
Confesso que, ao ouvir alguns programas de rádio, tenho a impressão de que o cidadão deve mesmo “agradecer” ao Seturn por operar de forma impecável e altamente qualificada o serviço de transporte público. Segundo alguns jornalistas, a “bondade” das empresas de ônibus em tentar manter o serviço por R$ 4,50 — já gozando de isenção de impostos — merece reconhecimento, como se o direito ao transporte fosse um favor ao cidadão. Esse argumento ignora a obrigação das concessionárias de oferecer um serviço de qualidade e de atender a população de forma eficiente.
A isenção do ISS (Imposto Sobre Serviços), por exemplo, já representa uma renúncia fiscal de aproximadamente R$ 600 mil mensais, acumulando R$ 14,4 milhões ao ano. Esse valor, somado ao novo subsídio, oferece às empresas um benefício financeiro considerável, mas sem a contrapartida de melhorias para os usuários. O cidadão, que já lida com um transporte público deficiente, não encontra justificativa para mais esse aporte milionário ao setor privado, principalmente sem uma garantia de que isso se reverterá em qualidade.
As filas longas e a realidade do usuário
Quem utiliza o transporte público de Natal conhece bem a realidade: ônibus lotados, horários espaçados e uma quantidade de linhas cada vez menor. O impacto é sentido por trabalhadores e estudantes, que esperam longos minutos (por vezes até horas) por um ônibus e, quando ele finalmente chega, precisam disputar espaço em veículos lotados. Em horários de pico, a experiência é ainda mais difícil. A frota segue sem modernização e não atende às demandas de uma cidade que cresce e precisa de alternativas de mobilidade.
A prefeitura poderia exigir melhorias, como a modernização da frota, a ampliação de horários e linhas e até mesmo a instalação de ar-condicionado nos veículos (visto o calor intenso na capital do Estado). Em vez disso, o projeto transfere milhões para o Seturn sem qualquer retorno concreto para o usuário, que paga por um serviço caro e, ao mesmo tempo, vê recursos públicos serem aplicados sem benefício direto.
Fica a pergunta: até quando o natalense terá que aceitar um transporte público que não lhe oferece conforto e segurança?
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