Você já parou para pensar no quão profunda é a relação entre humanos e cães? Além de nos acompanharem há milhares de anos como nossos melhores amigos, um novo estudo acaba de revelar algo surpreendente: nossos cérebros se sincronizam com os deles durante interações sociais. Sim, quando você olha nos olhos do seu cachorro ou faz carinho nele, há mais acontecendo do que simples afeto — existe uma verdadeira conexão cerebral.
Publicado na revista Advanced Science, o estudo liderado por pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências é o primeiro a mostrar que, durante interações como contato visual e carinho, ocorre um acoplamento de atividades cerebrais entre humanos e cães. Ou seja, nossos cérebros “entram em sintonia” quando interagimos com eles, especialmente nas áreas responsáveis pela atenção e socialização.
Como funciona essa sincronização cerebral?
Os pesquisadores utilizaram EEG (eletroencefalografia) para monitorar os cérebros de humanos e cães ao mesmo tempo, durante cinco dias de interações. Descobriram que o contato visual intenso e o carinho aumentam significativamente a sincronização nas regiões frontal e parietal do cérebro. Essas áreas estão ligadas à nossa capacidade de prestar atenção e de coordenar ações sociais.
Além disso, à medida que o vínculo entre humanos e cães se intensifica com o passar dos dias, essa conexão cerebral se fortalece. É como se nossos cérebros se adaptassem cada vez mais um ao outro conforme nos tornamos mais próximos.
E o que isso tem a ver com autismo?
O estudo foi além e explorou cães geneticamente modificados com mutações no gene Shank3, que é associado ao autismo em humanos. Esses cães apresentaram uma perda significativa de sincronização neural com os humanos e também mostraram uma redução notável na atenção durante as interações. Isso é um grande indicativo de que as alterações genéticas que afetam a socialização em humanos com autismo podem ter mecanismos semelhantes em outras espécies.
A surpresa do LSD
Agora, aqui vem a parte mais intrigante: os cientistas decidiram testar o efeito do LSD (ácido lisérgico) — sim, a droga conhecida por seus efeitos alucinógenos — nos cães com mutações genéticas. O resultado foi impressionante: uma única dose de LSD foi capaz de restaurar a sincronização cerebral e melhorar a atenção desses cães durante interações sociais.
Embora o uso de LSD como tratamento ainda esteja distante de ser aplicado em humanos, os resultados sugerem que pode haver um caminho promissor para entender como algumas substâncias podem ajudar a tratar déficits sociais, especialmente em condições como o autismo.
Os cientistas envolvidos no estudo se mostraram empolgados com os resultados, destacando a relevância da descoberta tanto para a ciência comportamental quanto para a pesquisa sobre autismo. Wei Ren, principal autor do estudo, explicou: “Sabíamos que os cães são extremamente sensíveis às emoções e aos comportamentos humanos, mas ver essa conexão se refletir a nível neurológico foi surpreendente. A sincronização cerebral vai além do que imaginávamos, sugerindo que os cães podem entender nossas intenções e sentimentos de maneira mais profunda do que qualquer outro animal doméstico.”
Yong Q. Zhang, outro autor do estudo, destacou o potencial impacto para futuras pesquisas sobre o autismo: “O modelo de cão com a mutação Shank3 nos oferece uma oportunidade sem precedentes de estudar os mecanismos do autismo em um ambiente muito mais próximo ao humano, tanto em termos de sociabilidade quanto de estrutura cerebral.”
Implicações para o tratamento de transtornos psiquiátricos
Além da conexão entre humanos e cães, o estudo também abre caminho para novas possibilidades de tratamento de transtornos do espectro autista (TEA). O fato de uma única dose de LSD restaurar a conexão neural e melhorar a atenção em cães mutantes é um achado surpreendente. Embora o uso de alucinógenos no tratamento de TEA ainda seja uma área incipiente, a ideia de que substâncias como o LSD podem ajudar a reabrir “janelas críticas” do desenvolvimento social traz novas esperanças para abordagens terapêuticas.
Zhang comentou sobre essa descoberta: “Embora o LSD seja amplamente conhecido por seus efeitos psicodélicos, nossos experimentos sugerem que ele pode ter um papel neurorestaurador em situações específicas, especialmente na promoção da plasticidade cerebral e da sociabilidade. Precisamos ser cautelosos, mas isso pode ser uma nova linha de tratamento a ser explorada em humanos no futuro.”
A utilização de cães como modelos para estudar transtornos neuropsiquiátricos é relativamente nova, mas extremamente promissora. Diferente de roedores, os cães compartilham muito mais semelhanças sociais e comportamentais com os humanos, além de viverem em ambientes familiares similares. Isso faz deles uma excelente ponte para compreender como certas condições afetam a interação social.
Além disso, como os cães têm uma longa história de coevolução com os humanos, são um modelo ideal para observar como se desenvolvem laços afetivos e sociais, algo essencial no estudo de transtornos que impactam a comunicação e a socialização.
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