Dados do Datafolha de 2022 apontam que 15,5 milhões de brasileiros se identificam como LGBTQIA+, representando 9,3% da população. Apesar disso, a comunidade enfrenta dificuldades significativas de inserção no mercado de trabalho, levando muitos a buscarem o empreendedorismo como alternativa.
Segundo Louise Nogueira, analista de Diversidade e Inclusão do Sebrae, “Temos dados e informações que mostram que as pessoas da comunidade LGBTQIA+, mais ainda quando se declaram publicamente parte da comunidade, têm muitas dificuldades de serem inseridas no mercado de trabalho, então o empreendedorismo acaba sendo uma saída para elas”.
Recentemente, o Sebrae concluiu a primeira edição do Projeto Transcender – Empreendedorismo LGBT+, que ofereceu capacitação a 51 empreendedores LGBTQIA+. O seminário final incluiu palestras sobre “Boletim de Inteligência LGBT+ e Liderança para Negócios Liderados por pessoas LGBT+”.
A analista Louise Nogueira destaca as vulnerabilidades específicas dentro da comunidade LGBTQIA+, enfatizando a situação de pessoas transgênero: “No caso das pessoas transgêneras, a dificuldade é ainda maior porque não conseguem concluir os estudos, acabam saindo de casa muito cedo pela não aceitação dos pais e não conseguindo entrar no mercado de trabalho, até porque não têm qualificação. É uma vida muito difícil, então para todos esses grupos enxergamos que o empreendedorismo é uma saída para que essas pessoas possam ter autonomia financeira, crescimento pessoal, gerar renda e gerar emprego”.
Entre os desafios enfrentados, a discriminação ocupa um lugar de destaque. Lucas Gamonal, professor da UERJ, explica: “Muitas vezes, as pessoas têm preconceitos associados à aparência, a trejeitos e até mesmo com relação a pessoas que convivem com HIV. Por mais que pareça distante, isso ainda existe, então vão ter pessoas com receio de consumir produtos e serviços em virtude dessas questões”. Ele também destaca o lado positivo: a comunidade LGBTQIA+ pode criar um mercado próprio, oferecendo e consumindo serviços entre si, promovendo a valorização do grupo.
Carol Romeiro, única mulher transexual participante do Transcender e dona do salão de beleza Carol Romeiro Hair Studio, compartilhou sua experiência com a Agência Brasil: “Trabalho há dez anos com salão de beleza, entre idas e vindas dentro do mercado, porque na falta de emprego sempre recorremos àquilo que é o mais comum para as mulheres trans e que sempre acontece no momento de transição, principalmente no início, quando não nos enquadramos em padrão A ou B. Mesmo com preparação, mesmo com bons certificados, tem sempre esse momento em que acabamos tendo que recorrer à prostituição”.
Ela explica sua decisão de empreender: “Ia ter que voltar de novo para essa corrida. Mas eu tinha a clientela. Então comecei a atender em casa e, assim, veio a necessidade de ter o meu próprio negócio para não ficar refém de uma patroa ou de um patrão que pudesse me cortar a qualquer momento. Entendi que se eu tivesse meu espaço para trabalhar e ali fizesse meu dinheiro, não ia depender de ir para lugares que não queria estar nunca”.
Mesmo com o próprio negócio, Carol ainda enfrenta discriminação: “As pessoas querem se impor, elas não querem chegar e pedir por um serviço. Já chegou pastor no salão querendo evangelizar, falando que Deus tinha uma revelação para mim se saísse daquela vida, como se eu fosse uma coisa doente ou pecaminosa. São várias situações que ainda passo diariamente.”
A falta de investimento em educação e capacitação, segundo Gamonal, agrava a situação, interrompendo a trajetória de muitos devido a conflitos familiares e levando-os a situações socioeconômicas precárias. Ele ressalta que “Muitas das iniciativas empreendedoras ou mesmo de empreendimentos formais surgem dessas inseguranças e inquietações de não se sentir representado, acolhido, benquisto ou valorizado nesses ambientes. Além disso, existem necessidades e desejos próprios da comunidade, que então se tornam oportunidades de criações de negócios”.
Matheus Pretovich, artista plástico, menciona o medo da perda de investimentos por se identificar abertamente como empreendedor LGBTQIA+: “É o medo de perder pauta por isso, perder vendas ou perder seguidores que hoje em dia, infelizmente, é uma coisa muito significativa, principalmente para artistas independentes.” Porém, ele também vê a força da comunidade como um mercado consumidor significativo e crescente: “Trazer essas pautas, defender isso, produzir conteúdo sobre isso e antecipar esses diálogos também nos conecta com essa comunidade, que é um mercado consumidor significativo e crescente. Vemos grandes empresas se posicionando dessa forma, por que não a gente também fazer isso?”
O Projeto Transcender, iniciado em maio de 2024, oferece capacitação em planejamento, finanças, marketing e inovação. A maioria dos empreendimentos selecionados atuam em moda, artesanato, beleza e alimentação. A analista Louise Nogueira explica: “Apresentamos o empreendedorismo ou capacitamos a essas pessoas, porque algumas já são empreendedoras. Para aquelas que querem aprender, apresentamos o empreendedorismo como uma solução”. Um levantamento do Sebrae, com dados da Receita Federal, mostra que em setembro de 2024 foram abertos 349,5 mil novos pequenos negócios no Brasil, sendo 96% de todos os CNPJs criados no período. O setor de serviços liderou (61%), seguido de comércio (22%) e indústria (8%).
Além da formação, a analista ressalta a necessidade de financiamento e microcréditos, pois muitos não possuem recursos para iniciar um negócio. “O conhecimento já é muita coisa, mas talvez não seja o bastante para esse grupo, então, ajudas do poder público, ligadas ao fomento ao crédito, e mais oportunidades para essas pessoas é algo que o Sebrae pode oferecer, mas ainda precisaria de mais apoio. Acredito que tanto o acesso a crédito como o acesso ao mercado são dois obstáculos que o empreendedorismo LGBTQIA+ ainda enfrenta”. Carol Romeiro complementa: “O Sebrae está abrindo portas”, concorda Carol Romeiro, “mas ainda estamos caminhando nesse espaço para conseguir formar pessoas, e não só nós precisamos de formação, mas também precisamos formar equipes para saber receber e saber não agredir verbal e fisicamente. Vejo que tem portas se abrindo, mas ainda estamos engatinhando”.
Quer receber as principais notícias do Portal N10 no seu WhatsApp? Clique aqui e entre no nosso canal oficial.