Ipkissia Máskarose: Na controversa mente de Harley Quinn, a Arlequina

Arlequina - Batman: A Série Animada

Embora geralmente os heróis e vilões das HQs partam dos quadrinhos para as telinhas, aqui temos uma personagem que fez o contrário, vindo da animação Batman: A Série Animada (1992), para as HQs do Homem Morcego. Surgida como uma ideia de Paul Dini e Bruce Timm, a personagem foi inspirada na atriz Arleen Sorkin da novela Days of Our Lives, que em um dos episódios apareceu usando uma fantasia de bobo da corte.

Devido a essa aparição, os produtores tiveram a ideia de dar ao vilão Coringa, alguém que pudesse lhe fazer companhia, uma espécie de “ajudante” como o Robin era para o Batman. Porém a personagem, que inicialmente iria fazer apenas duas aparições, encantou o mundo e em pouco mais de 30 anos de sua “criação“, não só ganhou tanta visibilidade quanto o seu “Pudinzinho“, mas também foi adotada como símbolo na luta contra relações doentias, os chamados “relacionamentos tóxicos“.

Arleen Sorkin, a atuação da atriz na novela Days of Our Lives deu origem a ideia da personagem Arlequina

Embora sua aparição tenha sido explicada posteriormente, suas origens são controversas, as duas mais aceitadas são de que Harleen Frances Quinzel, seu nome original, veio de uma família com problemas estruturais. O pai seria um criminoso e a agredia bastante, enquanto que seu irmão buscava uma oportunidade de seguir carreira no mundo do crime.

Até aqui as duas versões mais aceitadas não se distinguem tanto, mas neste ponto temos duas versões: Na primeira de 1994 temos uma adolescente rebelde e com um comportamento explosivo e manipulador, levando inclusive seus namorados a cometerem crimes. Posteriormente ela entra para a universidade em Gotham City, onde para se formar ela recorrer a algumas facilitações obtidas por manipular seus professores em troca de favores sexuais (sim, quanto a isso é algo comum a personagem, ela é mostrada de forma quase sempre sexualizada).

Após formada, vai trabalhar no asilo Arkharam, onde conhece alguém capaz de despertar seu lado mais louco. A sua alma gêmea, seu “eu” masculino, o Coringa. Ou como se acostuma a chamar o Pudinzinho!

Já em uma outra versão mais recente, mostrada nos NOVO 52, uma grade reboot da DC em praticamente todo o seu Universo, ela passa a ser uma jovem que incomodada por sua falta de estrutura familiar, passa a se destacar como ginasta, ganhando assim uma bolsa para estudar psicologia na Universidade de Gotham City. Após formada, por nada além de seu próprio mérito intelectual, começa a atuar em Arkharam, como um esforço na construção de seu livro sobre psicopatas, onde passa a tratar do membro mais ilustre, o Coringa.

Em ambas as versões, as histórias contadas pelo Coringa, fazem com que aos poucos a Dr. Harleen sinta empatia, pena e identificação com o Palhaço do Crime. Em algum momento ela passar até mesmo a ver o Batman, como o verdadeiro vilão.

Dra. Harleen Quinzel, passa a perceber o Coringa como vítima e enquanto que o Batman e a sociedade são vistos como verdadeiros vilões

Os seus sentimentos pelo Coringa só crescem com o tempo juntos. Após algumas fugas, com direito a um banho nas mesmas toxinas que criaram o palhaço, finalmente a Dr. Harleen Frances Quinzel, passa a ser o par perfeito do vilão, a Arlequina (ou no original Harley Quinn), na história nome também sugerido por ele.

Os dois formam o casal mais louco, com a relação mais abusiva e complexa do universo das histórias em quadrinhos. Arlequina é constantemente abusada, física, sexual e psicologicamente. Agredida das mais diversas formas, que a mente doentia do Coringa, é capaz de pensar. Mesmo assim basta um “desculpe” ou “espero que você melhore” (quando está no hospital devido as agressões), que ela volta para o seu amado palhaço.

Mais recentemente, ela conseguiu se desvencilhar daquele relacionamento doentio. E em novas versões aparece em grupos, como As Sereias de Gotham, Esquadrão Suicida e Aves de Rapina. Durante essa primeira fase ela até mesmo desenvolve um relacionamento com a Hera Venenosa, que injeta em Harley uma substância que a torna capaz de ser resistente a toxinas como o gás do riso do Coringa ou do medo do Espantalho (nós nos recusamos a fazer a infame piada de que “o relacionamento com a Hera Venenosa não era mais tóxico”).

Atriz Margot Robbie, interprete de Arlequina nos cinemas

Sendo umas das personagens mais conhecidas do universo do Batman, Alequina está presente em HQs, filmes, séries, animações diversas e também no mundo dos games. Nas animações suas interpretes mais marcantes são Arleen Sorkin, que empresta a voz a personagem em sua versão original e Kaley Cuoco, que a dubla na série Harley Quinn (2019). Contudo as adaptações mais recentes foram no cinema onde é interpretada pela atriz Margot Robbie.

OBS: O texto a seguir se atém a fatos ficcionais, e todo o seu conteúdo faz parte de um copilado de ideias e interpretações de seus autores.

Embora mais recentemente a Alerquina não seja exatamente o modelo padrão de vilã e muitas de suas representações as coloque como uma “anti-heróina” (embora essa terminologia pareça uma ação de combate a drogas), o fato é que seu passado de crimes ao lado do Coringa e mesmo antes dele não podem ser esquecidos ou mesmo ignorados para efeitos desta ou demais avaliações.

Com um comportamento agressivo, rebelde e com traços de psicopatia, ela é mostrada como uma mulher manipuladora e sádica, mesmo antes de conhecer o Palhaço do Crime. Embora suas ações possam ser consideradas frutos de sua criação em um ambiente caótico, é fato que compreender as motivações e concordar com suas ações são coisas distintas.

Nas HQs de origem, Harley induz seus namorados a cometerem crimes, sendo um deles matar uma colega de escola que fazia bullying com a jovem vilã. E você que achava que o Coringa era o primeiro parceiro dela no mundo dos crimes. Deste primeiro relacionamento, ela guarda, como algo recorrente em suas histórias, um castor empalhado que pertencia a seu namorado, que acabou preso pelo assassinato que cometeu (objeto inanimado com o qual aparece conversando por diversas vezes).

Já na Universidade em Gotham, sua beleza e sensualidade foram usados como instrumentos para seduzir professores e manipulá-los a dar-lhe notas melhores. Aliás usar o seu corpo e sensualidade para manipular homens, e algumas mulheres, é traço recorrente em suas histórias, e que seguem a personagem em aparições em mídias diversas. E embora esse aspecto tenha sido aperfeiçoado com a ajuda do Coringa, não é algo que se possa atribuir apenas a mente do vilão.

Cena na qual o Coringa “seduz” a Dra. Harleen Quinzel – Esquadrão Suicida 1

Aliás seu próprio encontro e futuro relacionamento com o arqui-inimigo do Batman, é uma peça emblemática e controversa de sua psique. O que torna ainda mais delicado discernir até que ponto ele a manipulou para conseguir o que queria dela (seja lá o que seja isso) e até que ponto este apenas despertou os desejos doentios que já residiam nela. Neste primeiro momento, sua paixão doentia pelo vilão, superou qualquer possibilidade de controle do seu lado profissional/racional.

Não cabe aqui o juízo de valor, muitas vezes feito pelo senso comum, de que um profissional de uma determinada área seria “desqualificado” nesta, ao sucumbir ao mal que combate. Em outras palavras, a crença falha de que um médico não fica doente, ou de que um psicólogo ou psiquiatra não pode sofrer de males como depressão, por exemplo.

Dra. Harleen Quinzel passa a acreditar que o Coringa a ouve e partilha de traumas semelhantes a ela

Ao contrário, sua proximidade em combater tais mazelas os tornariam ainda mais expostos as mesmas. Nesse sentido, o esforço em se aproximar do Coringa para “resgata-lo” de sua psicopatia, acaba por levar a Doutora a cruzar a linha tênue que separada a relação “médico-paciente”.

Uma vez parte da cruzada do Palhaço do Crime, Arlequina mostrou por várias vezes o quão inteligente é, consertando planos do Coringa, sendo ela quem mais chegou perto de desmascarar o Batman. Isso dito pelo próprio ao Coringa, que em um dos vários surtos tentou matar ela novamente.

Outra prova cabal de sua capacidade intelectual, é o fato de ser ela capaz de fazer rapidamente e mesmo criar um plano de ação baseado nas análises prévias dos perfis psicológicos que traça dos heróis e vilões. Tal habilidade lhe dá um sentido aguçado para perceber oportunidades, falhas de caráter e até mesmo manipular estes a seu favor. Algo que lembra o comportamento de pessoas com Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), popularmente descritas como sociopatas.

Após anos de abusos nas mãos do Coringa, Quinn consegue se desvencilhar do Palhaço, nos quadrinhos isso acontece após uma das várias tentativas a matar. O que quase consegue, mas ela é salva pela Hera Venenosa, com quem desenvolve um amor fraternal, que posteriormente se tornaria algo mais, com a “Dama das Plantas Venenosas” tendo uma relação carnal com Harley, que é bissexual. Já nos cinemas, deixar o Coringa, não acontece de forma tão espontânea com ela sendo “largada” pelo Palhaço.

Relacionamento entra Arlequina e Hera Venenosa

Ao pensarmos num possível processo de psicodiagnóstico da nossa personagem, podemos elencar diversas características que sugerem vários quadros diferentes. Porém, aqui, vamos nos concentrar no que, talvez, tenha sido a marca que tornou nossa loirinha tão querida entre os fãs do universo de Gotham (lê-se: os fãs do Coringa).

Sim, senhoras e senhores, o que confere a Arlequina a sua marca registrada é a sua escolha de se relacionar com o mestre do imprevisível e da psique humana. Ora, seja em qualquer das suas versões, Harley é alguém que está ligada, teoricamente e academicamente, a psique humana. O Coringa, por sua vez, tem conhecimento de causa, filosofia trágica com requintes de perversos de melhor qualidade. O convite para o mergulho nessa psique tão singular para a nossa jovem é irresistível.

O que faz disse ser o principal traço de Harley para a nossa análise? Digo-lhe, caros leitores. Ao mergulhar numa psique emblemática como a dele, Harley faz a escolha fundamental que a transformará. A partir daí, se havia antes pólvora, Harley acabara de encontrar a faísca que desencadeará o restante do processo para despertar a sua própria versão perversa.

Um casal sádico em uma relação abusiva e intensa

Daí observamos dois movimentos distintos que podem ser confusos. A associação dessa escolha ao quadro conhecido como síndrome de Estocolmo e a relação Mestre-Aprendiz das relações de perversidades presentes nas mais variadas psicopatias. Sim, psicopatias, no plural, pois existem de vários tipos. A síndrome de Estocolmo é o quadro em que a vítima, após, passar por um evento traumático duradouro na presença de seu(s) agressor(es) passa a nutrir sentimentos de subserviência e proteção para com estes/estas. Um quadro deveras similar as dependências afetivas que podem ser encontradas com facilidade em dezenas de casais, em que, há mais violência (física, moral, verbal) do que o que se pode esperar de um relacionamento passional.

Em Arlequina, essa pode ser a primeira impressão. Porém, observando-a com a intenção é notório que o quadro não se configura, pois Arlequina, não só absorve traços do Coringa, tão como, adapta-os aos seus. E nisso, é onde vemos a singularidade de Arlequina. Ela aprende com o mestre. Ela se torna sua própria mestra.

Arlequina de Margot Robbie

Arquitetar planos com o Coringa logo ganha um sentido de parceria (unilateral por parte dela) na destruição dos padrões morais vigentes. Perturbar a ordem não, incomodar não. Retirar as máscaras por detrás da ordem é a missão a que se destina a perversidade em Arlequina.

Em suma, não se trata apenas de um caso claro, como se configura o caso mais complexo do qual tratamos até aqui. A viagem pelos caminhos tortuosos da mente perturbada de Arlequina, credita sua singular psique como um caso extremo e provavelmente irreversível de “Ipkissia Máskarose“.

Gostou do texto? “Ipkissia Máskarose”, estará de volta na próxima semana com um novo personagem. Você pode nos ajudar a escolher ele comentando abaixo o que achou e qual personagem quer ver na próxima matéria.

Por: Augusto “Clark” Miranda, Hiago Luis e Luiz Carlos “Capitão”

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Redação do Dinastia N

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