Escritor brasileiro de horror, Cesar Bravo é um dos grandes nomes do gênero no cenário nacional. Com uma escrita dinâmica, marcante e bem elaborada, Cesar tem despertado cada vez mais o interesse de leitores e da crítica especializada. O Dinastia N entrevistou por escrito o autor, que contou mais sobre os bastidores da construção de seus principais livros, projetos futuros que deverão ser publicados, sua parceria com a DarkSide Books e muito mais.
Publicado recentemente pelo escritor, seu livro DVD – Devoção Verdadeira a D, é uma feliz continuação de sua obra anterior VHS – Verdadeiras Histórias de Sangue, ambos os livros mesclam uma série de contos de horror (antologia) situados na cidade fictícia de Três Rios.
Natural de Monte Alto, em São Paulo, Cesar Bravo começou escrevendo e publicando seus contos de forma gratuita. Posteriormente, decidiu arriscar-se vendendo algumas publicações em uma tentativa de refinar a crítica de suas obras e, com isso, a si mesmo como autor. Em 2013, ganhou o Prêmio FNAC – Novos Talentos da Literatura.
Além dos já mencionados, Cesar Bravo publicou também os livros: “Calafrios da Noite” (2013), “Caverna de Ossos” (2013), “Além da Carne – Contos Insanos” (2014), “Navio Negreiro” (2014), “Ouça o que eu Digo” (2015) e “Ultra Carnem” (2016), a partir do qual passou a publicar pela DarkSide Books.
Apesar de hoje fazer parte de uma das maiores editoras do cenário nacional, Cesar começou publicando na internet de forma independente. “No comecinho, eu publicava meus trabalhos em comunidades fechadas de redes sociais. Aprendi muito nesses anos, e um belo dia pensei que as pessoas seriam mais sinceras em suas opiniões se pagassem pelos meus livros (ainda que fosse um valor simbólico). Desse ponto em diante, escrevi muito e em muito pouco tempo, com o objetivo de ter minha escrita testada pelos leitores da Amazon“, contou o autor.
O resultado desta primeira iniciativa foi extremamente gratificante, embora inesperado pelo escritor. “Para minha surpresa, meus livros chamaram a atenção de leitores e resenhistas especializados no gênero, e esse pessoal me ajudou a compor minha primeira base de leitores“, confidenciou.
Dinastia N. – De onde surgiu o insight de unir horror e terror à imagem dos VHS, DVD e locadoras?
Cesar Bravo – Não lembro exatamente o momento da decisão, mas percebemos que aquelas histórias eram, além de muito visuais, uma espécie de homenagem às videolocadoras e aos filmes do momento mais exuberante para o gênero horror, os anos 1980-1990. Eu já tinha criado Três Rios e meu próprio Noroeste Paulista em Ultra Carnem, e sempre gostei da ideia de um universo único para os livros, que permitisse a interconexão de personagens e histórias. Depois do surgimento da Firestar Videolocadora, a coisa não parou mais. Além disso, boa parte de minha formação audiovisual aconteceu em locadoras de filmes, foi um presente ter a possibilidade de homenageá-las.
D.N – Sobre galinhas. Depois da Jezebel fazer sua estreia como um dos personagens mais inesperados em um livro como VHS, é possível ver vários animais, do mesmo tipo que ela, soltos em Três Rios no livro DVD, sendo praticamente easter-eggs. Você imaginava que ela chamaria tanta atenção assim desde que escreveu ou foi uma surpresa o apego dos leitores com as galinhas?
C.B. – Foi uma surpresa enorme. Jezebel entrou no livro por insistência, rs, dela e de meus editores. Para ser muito sincero, nem mesmo eu esperava que uma galinha (mesmo sendo a “Zeiza”) pudesse se tornar tão relevante, tão carismática e reverberante na mente dos leitores. O que posso dizer? Jezebel chegou para ficar, e quando esse tipo de coisa acontece é melhor sair do caminho. Por outro lado, a descendente mais próxima dos dinossauros nos dias de hoje é a galinha, sem contar que, para uma oferenda religiosa de muitas doutrinas, o que usamos? Exato… galinhas.
D.N. – Tanto VHS quanto DVD se passam na cidade fictícia de “Três Rios”, essa cidade é inspirada em alguma cidade na qual já esteve? O quê de Cesar Bravo há em “Três Rios” e o que de “Três Rios” há em Cesar Bravo?
C.B. – Morei no Noroeste Paulista (região verdadeira de Três Rios) por um bom tempo. Conhecendo a terra, as pessoas trabalhadoras e um pouco duras, a maneira como o sol desaparece no horizonte e continua esquentando a noite. Conheci essa dureza do interior de São Paulo por toda a minha vida, então, é uma espécie de lar afetivo para mim, até os dias de hoje. Com o passar dos anos, as coisas mudaram bastante na sociedade brasileira, mas nas décadas de 1980 e 1990 você encontraria Três Rios em muitas partes do Brasil. Meu inferno pessoal está em Três Rios, e o inferno pessoal de Três Rios está em mim.
Durante a entrevista, aproveitamos para perguntar sobre a possibilidade de vermos VHS e DVD se tornarem séries audiovisuais. O que sem dúvida faria a felicidade dos fãs. Segundo Cesar, embora tenha recebido propostas neste sentido e de certa ansiedade por ver suas histórias ganharem as telinhas, ainda não encontrou a produtora certa para tornar esse desejo realidade.
“Acredito que com o tempo as pessoas certas aparecerão para, literalmente, contar essa história. Ultra Carnem, por outro lado, está um pouco mais adiantado, participando de mostras e rodadas de players. Enfim, tudo está caminhando para a adaptação de um de meus livros em breve”, revelou.
D.N. – Após VHS e DVD poderemos ver uma sequência dos livros para completar como uma trilogia? Quais os futuros projetos e quando poderemos vê-los?
C.B. – Eu evito pensar em sagas, e longas e intermináveis narrativas, mas a energia para falar mais um pouco desse universo ainda está em mim. Não sei se farei necessariamente uma correlação direta, mas apostaria em algumas histórias com a mesma versatilidade dentro do horror. Três Rios ainda possui mistérios a serem desvendados. Em 2022 teremos novidades!
Claro que não poderíamos deixar de perguntar sobre a influência deste momento de pandemia no trabalhado do escritor, que nos revelou que o momento serviu para ele como aprendizado sobre si, sobre a vida e as outras pessoas.
“Minha percepção atual é que a morte está logo ali, na esquina, afiando a sua foice. Não tenho tempo a perder, tenho que andar depressa e fazer minha existência valer a pena. Eu não sofri muito com o trabalho nesse período; opostamente, produzi ainda mais. Aprendi que as pessoas têm necessidades diferentes, anseios diferentes, e que podem enlouquecer quando não são atendidas em um tempo razoável. Esses comportamentos extremos talvez sejam a fatia mais importante para a minha ficção futura. A necessidade de uma vida social e a urgência de sair do cárcere”, revelou.
D.N. – O dinamismo das obras como VHS e DVD, que têm suas histórias atreladas a músicas ou trechos de músicas. Como você escolhe as músicas que farão parte da trilha sonora das publicações?
C.B. – Por muitos anos escrevi ouvindo Heavy Metal, estupidamente alto, no talo. Da forma como vejo, não existe uma separação definitiva entre o que ouço e o que escrevo, está tudo ali mesmo, diluído, misturado. Gosto de fazer o possível para inserir o leitor em meu universo, para fisgá-lo e mantê-lo comigo. A música é, mais do que muitas outras formas de expressão artística, uma experiência coletiva. Colocar trechos de canções que amo em meus livros é um convite para o baile. Eu não tenho trabalho algum para definir as músicas que entrarão nas histórias. Elas já estavam lá antes dos textos, elas ajudaram a compor as linhas.
D.N. – Suas obras, embora ficcionais, parecem explorar alguns personagens que encontramos ou poderíamos encontrar no mundo real. Em qual momento ficção e realidade se encontram?
C.B. – O tempo todo. Todo personagem presente nos meus livros poderia ser encontrado no mundo real, mesmo os monstros. Não quando eles já são monstros, mas antes, quando ainda eram humanos. Eu não vejo muita graça na ficção que não possui um lastro na realidade; como também não vejo graça a ficção totalmente humana e real, sem o elemento mágico. Para o meu gosto, fantasmas sempre devem dividir o mundo com a inescrupulosidade do ser humano.
D.N. – Você é quase uma unanimidade como sendo o “Pai do Terror no Brasil”. Em quê nossa forma de fazer terror difere de outros autores internacionais?
C.B. – Nós temos nosso próprio universo ficcional no Brasil. Somos mais carregados de misticismo, mais agourentos, no interior ainda se educam crianças com a ajuda do medo. O brasileiro acredita em mandinga, em mau olhado, em premonições sobre o futuro. Nosso povo escolhe uma religião, mas não deixa de transitar pela outra, mesmo os fiéis mais extremistas. Essa bagunça mística-exotérica é o que mais gosto por aqui, um bom brasileiro não acende só uma vela ao dormir: acende logo um candelabro, uma para cada entidade.
Cesar listou para nossa equipe alguns filmes de terror que o marcam e que embora não tenham o influenciado de forma tão direta, estão de certa forma presentes em suas obras. Você pode conferir essa lista na matéria da próxima semana do Dinastia Literária.
D.N. – Atualmente séries, filmes e também livros são cada vez mais pressionados pelo “politicamente correto”. Há influências ou limitações no que você escreve devido a isso? Como você entende esse debate em relação a “gatilhos emocionais”?
C.B. – Eu não sigo nenhuma norma forçosamente imposta ao escrever (ou na vida). Se tenho bom-senso, é o mesmo que demonstro em meu dia a dia. Não gosto de regras, não gosto de réguas de comportamento, não gosto e não admito nenhum tipo de censura. Sobre gatilhos, se eu não quero um gatilho, eu não compro uma arma. O horror é isso, uma arma. Ele fere, mas também pode te fortalecer e defender. Existem gatilhos? Claro que sim. Mas você pode decidir entre apertá-lo ou não, ainda que necessite da ajuda de um bom acompanhamento terapêutico. Porém os crimes, como racismo, homofobia, e um milhão de outros, devem ser punidos com a lei. Por exemplo: andar pelado por aí não é liberdade, é crime, então é só aplicar a mesma regrinha nas criações artísticas.
D.N. – A DarkSide Books é uma das editoras mais concorridas e também mais admiradas pelos leitores. Em que momento e como essa parceria com a editora se firmou?
C.B. – Até onde sei, um dos editores da DarkSide (hoje um grande amigo e parceiro) leu uma coletânea de contos na Amazon, “Além da Carne”, e se encantou pelas histórias, notando possibilidades que viriam a compor posteriormente Ultra Carnem, meu primeiro romance. Hoje tenho uma maior consistência em meu trabalho, edições primorosas, a DarkSide tem um respeito e um carinho enorme por seus leitores, sentimentos e ações que eu compartilho desde o início. Estar com a DarkSide foi como uma expansão, um crescimento como autor imagético e como profissional da escrita. Para meus leitores, foi a chance de receberem uma obra de horror nacional com a qualidade gráfica superior que se encontra lá fora.
Bom de papo e carismático, o autor encerrou o bate-papo com a nossa equipe deixando um recado para aqueles que sonham em trilhar um caminho como escritores no Brasil:
C.B. – Para os futuros autores: escreva. Escreva muito. Escreva o tanto que for possível e tente escrever mais no dia seguinte. Quando reler e pensar ‘Ok, isso aqui tá foda!’, é hora de mostrar a alguém. E escolha alguém que não tenha motivos para te agradar. Depois, se ainda estiver confiante, coloque seu livro à venda por seus próprios meios (e-book, se você for um autor iniciante duro como eu era) ou em uma plataforma como o Wattpad. Ofereça seus livros (de graça!) a quem pode ajudar, e aqui incluo as centenas de blogs e vlogs que prestam um trabalho enorme à literatura.
Com o tempo, um novo escritor terá uma base razoável de leitores. É nesse ponto que o seu telefone toca. Você tem autoconfiança, fez a lição de casa e tem um público que defenderá seus livros com unhas e dentes.
Foi o que funcionou para mim, exatamente nessa ordem.
Esse foi o nosso bate-papo com o escritor Cesar Bravo, você pode saber mais sobre o autor acompanhando suas redes sociais, em especial o Instagram onde costuma interagir bastante com os leitores. Os livros do escritor estão disponíveis no site da DarkSide Books. O continue no Dinastia N para mais conteúdo literário, Nerd/Geek e entrevistas como esta.