Nova Amsterdã é como um farol para coisas sobrenaturais ou não se tornarem bizarras e seus moradores parecem começar a se acostumar com isso, mas vai além, e temos um pouco disso no último capítulo dessa primeira leva de histórias sobre esse lugar no extremo Nordeste do país.
Voltado para a cultura, ficção e fantasia, o trabalho a seguir é fruto de uma parceria entre o Dinastia N e o autor Antônio Gomes. A iniciativa busca explorar mais o universo das ideias do escritor, através desta coletânea de contos.
1
GUSTAVO PASSAVA NA FRENTE DAQUELA CASA TODOS OS DIAS. Ela era velha e abandonada. Todo mundo no bairro tinha uma história para contar sobre a casa no fim da rua Cândido Martins, os mais velhos já contavam que aquela casa existia desde antes deles nascerem, as mães assustavam os filhos usando-a para que não ficassem até tarde na rua, já as crianças tinham inúmeras conversas sobre o que um primo contou que o amigo de um tio não tão próximo já vivenciou ao entrar na casa.
Ninguém aparecia para dizer ser o dono e ninguém parecia realmente se importar com isso, mas Gustavo era curioso e já havia perdido o número de vezes em que havia parado na frente da casa enquanto voltava da escola. Apesar disso, seus dez anos de idade não o permitiam ter coragem o suficiente para entrar nela. Afinal, morar em Nova Amsterdã, era aprender desde pequeno sobre mulas sem cabeças, espíritos e monstros nas matas.
Porém tudo mudaria naquela quinta-feira chuvosa. O caminho da escola até em casa levavam exatos sete minutos e dezoito segundos que era o tempo de ouvir Immigrant Song da Led Zeppelin três vezes. Começou ouvindo aquela banda para agradar o irmão mais velho, só que agora estava viciado.
— Ei, jujubinha! Hoje você não escapa!
Gustavo escutou os gritos e tremeu. Odiava aqueles meninos estúpidos da escola que implicavam com ele porque gostava das revistinhas em quadrinhos e jujubas verdes. Seu irmão havia ensinado como se defender desse tipo de gente, mas não ia adiantar agora, eram cinco correndo ao seu encontro.
— Vão se foder. — Mostrou o dedo do meio em provocação e não pensou duas vezes antes de correr em disparada para o lado contrário.
Era o tipo de garoto que preferia passar o dia no quarto ouvindo música e lendo as HQs de X-MEN, mas com as pernas magrelas conseguia correr mais do que a maioria das crianças da rua.
Por isso, correu pela rua desviando de algumas pessoas na calçada e quase trombando com o carteiro que gritou a plenos pulmões o quanto odiava “esses pirralhos mal-educados”. Correu mais, a respiração começando a ficar precária, mas não podia parar agora, tinha acaba de entrar na Cândido Martins e logo estaria na frente de casa.
Só que aquele não era seu dia de sorte, não mesmo, porque na outra ponta da rua surgiram dois dos meninos que o perseguiam, Gustavo olhou para trás e viu que os outros também vinham, ele estava encurralado. Olhou para os lados em busca de uma rota de fuga e só encontrou uma: a casa abandonada que tanto temia. Só que era agora ou nunca e não queria chegar em casa todo machucado.
Puxou ar e encheu os pulmões, sacudindo a cabeça em negação a conclusão que havia chegado e correu, mudando o caminho e entrando na velha casa de forma alvoroçada. Ao passar pela porta, fechou e colocou o corpo contra ela respirando pesado.
Sabia que por mais que os babacas fossem corajosos para correr atrás dele em bando eles não tinham coragem de entrar ali.
— Sai daí, Jujuba. Deixa de ser frouxo!
Ouviu um deles gritar, o problema é que Gustavo não sabia ficar calado:
— Frouxo é você que tem medo de entrar em uma casa abandonada. — Rebateu.
— Se for homem vem aqui fora e a gente acerta as contas.
— Entra e acertamos aqui, frouxo.
— Filho da puta! — Outro gritou a plenos pulmões e Gustavo pôde imaginar que ele espumava como um cão raivoso.
Olhou em volta e viu que haviam móveis quebrados e cobertos de poeira, mas nada que identificasse quem já viveu ali, nada de fotos ou quadros, roupas ou qualquer outro tipo de pertence pessoal. Quis avançar e subir a escada, mas pelo tempo e descuido ela podia estar velha e acabar quebrando com seu peso, então ficou onde estava.
Quando conseguiu respirar normalmente, Gustavo foi percebendo o silêncio que envolvia e como não havia mais gritos lá fora. Não havia gritos, mas não ouvia o barulho de carros, de pessoas nem animais.
Com uma súbita coragem entreabriu a porta, olhou lá para fora já que não haviam janelas na sala e não encontrou os meninos que o perturbavam. Pelo contrário, o que viu fez seus olhos se arregalarem e abrir completamente a porta.
2
O MUNDO QUE ENCONTROU DO LADO DE FORA NÃO ERA O SEU. Não podia ser. Estava noite e no céu não haviam estrelas nem lua assim como não haviam luzes nos postes, na verdade, quase não existiam postes, a maioria deles estava no chão, quebrados em pedaços. As janelas das casas eram apenas estilhaços espalhados e o mato começava a tomar conta das residências e também de carros bem diferentes daqueles que conhecia em 1998.
Gustavo estava boquiaberto, não sabia nem o que começava a pensar enquanto se sentia impelido a sair para a varanda da casa e quando deu por si estava descendo os degraus e indo para a rua. Seria esse o verdadeiro segredo da casa abandonada? Um portal para… o futuro? Ou aquela era uma outra realidade? Fosse o que fosse, não parecia muito positivo. Lembrava a ele bastante as filmagens que viu em um programa de reportagens noturno sobre como estava Pripyat que foi abandonada após o acidente nuclear de Chernobyl.
Botou a cabeça para pensar. Não havia pessoas na rua e ele não sabia realmente o que levou aquele mundo a estar daquele jeito, então precisava ter cuidado, pelo menos de uma coisa podia ter certeza aquilo não foi causado por radiação, não que pudesse sentir, pelo menos.
Esgueirou-se pelas sombras noturnas, andando pelos canteiros das casas e percebeu que andava em direção a outra casa naquela rua, a sua própria. Não demorou até chegar ao local onde deveria estar sua casa, mas lá haviam apenas ruinas e fogo. Imaginou seus pais e o irmão, quis chorar por pensar em suas mortes, mas fazia sentido estando onde estava? Passou os olhos outra vez pelos destroços e viu uma placa de metal empoeirada.
Gustavo se abaixou e pegou em mãos. Pousada Maine, leu sentindo-a ainda quente em suas mãos e deixando marcas de fuligem em seus dedos.
— O que será que… — Começou a falar, mas se interrompeu ao ouvir um barulho alto vindo do lado oposto ao que ele veio.
Das sombras ele distinguiu uma figura humanoide de grandes olhos assustadores. Como um bom corredor, não se deixou abalar, não naquele momento, soltou a placa e virou pronto para correr, mas bateu de frente com algo forte e caiu sentado. Era outra criatura, idêntica à que caminhava em sua direção…