Com a possibilidade do horário de verão ser reativado no Brasil, o debate sobre seus impactos ganhou força, especialmente em meio à crise energética enfrentada pelo país. Um manifesto assinado por 26 cientistas de várias instituições brasileiras, incluindo a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), alerta que os prejuízos à saúde podem ser mais graves do que os benefícios econômicos.
O estudo, realizado pela UFRN e publicado em 2017, norteia o alerta divulgado na última sexta-feira (27) e revela que mais de 50% dos entrevistados sentiram desconforto com a mudança de horário. Os dados foram colhidos a partir de questionários online que abordaram o impacto do horário de verão no sono e nas rotinas diárias de 1.200 participantes. De acordo com a pesquisa, os principais efeitos negativos relatados incluíram dificuldades para dormir, alterações no humor e queda no desempenho cognitivo. Esses resultados embasam as críticas atuais dos cientistas, que argumentam que o impacto no ritmo biológico dos brasileiros pode ser prejudicial.
Além disso, os pesquisadores da área de cronobiologia, ciência que estuda os ritmos biológicos dos seres vivos, explicam que os seres humanos estão naturalmente sincronizados com os ciclos de luz e escuridão. Esse alinhamento regula funções importantes como o sono, apetite, humor e até a capacidade de concentração. A introdução do horário de verão rompe essa sincronia, forçando o corpo a se adaptar a um novo padrão artificial de horário, o que pode resultar em distúrbios do sono e aumento de problemas cardiovasculares. Como destacado no manifesto, “a exposição à luz natural é crucial para sintonizar nosso relógio biológico com o ambiente”.
O documento também menciona que o retorno ao horário de verão pode elevar o número de acidentes de trânsito, especialmente nos primeiros dias de vigência, quando muitas pessoas ainda estão se ajustando ao novo horário. Esse ponto foi corroborado por estudos internacionais que mostraram uma correlação entre a mudança de horário e o aumento de colisões e acidentes nas estradas.
A volta do horário de verão: economia ou saúde?
O horário de verão foi implementado pela primeira vez no Brasil em 1931 com o objetivo de economizar energia ao aproveitar mais as horas de luz natural. Durante grande parte do século XX, a medida foi justificada pela economia no consumo de energia, principalmente em escritórios e empresas que dependiam da iluminação artificial. Contudo, nos últimos anos, a eficácia da mudança passou a ser questionada.
De acordo com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a reintrodução da medida poderia ajudar a economizar energia, uma vez que os níveis dos reservatórios hidrelétricos estão abaixo do ideal e o uso de ar-condicionado está aumentando, inclusive durante a madrugada. Apesar de a economia de energia ser mínima, os defensores da medida acreditam que ela poderia aliviar a demanda, especialmente em momentos de alta temperatura e baixa produção de energia.
Entretanto, para os cientistas, essa economia não compensa os prejuízos à saúde. No manifesto, os especialistas afirmam que, ao desconsiderar os efeitos negativos do horário de verão, como o aumento de distúrbios de saúde e o descompasso com o ciclo natural de luz e escuridão, o governo corre o risco de agravar os problemas de saúde pública. “Esse processo de adaptação nem sempre é fácil. Enquanto algumas pessoas conseguem se ajustar, outras permanecem fora de sintonia, o que pode gerar sérios problemas de saúde”, diz o documento.
Desafios para a população
Mesmo que alguns indivíduos se adaptem rapidamente ao novo horário, o manifesto alerta para a diversidade biológica entre as pessoas. Enquanto uma parcela da população pode não sentir grandes efeitos, muitos outros, principalmente aqueles mais sensíveis às mudanças nos ciclos de sono, podem enfrentar transtornos mentais e até problemas cardíacos. O impacto é mais notável em pessoas que já têm rotinas desreguladas ou que enfrentam dificuldades em se adaptar às mudanças abruptas nos horários.
O estudo publicado em 2017 pela UFRN também traz outra questão importante: os problemas não se limitam ao desconforto físico. As mudanças podem afetar diretamente a produtividade, o bem-estar mental e até a segurança no trânsito. O manifesto dos cientistas não tem vínculos políticos e é focado inteiramente nas evidências científicas. Para os pesquisadores, a decisão sobre a volta do horário de verão deve considerar prioritariamente o bem-estar da população, e não apenas os possíveis ganhos energéticos.
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