A rotina da família Martins-Pereira, de Brasília, mudou drasticamente em outubro de 2016. Flora, então com seis meses, apresentava um leve estrabismo no olho esquerdo, o primeiro sinal do que se revelaria ser um astrocitoma pilocítico, um tumor cerebral de seis centímetros localizado próximo ao olho.
Cris Pereira, mãe de Flora e sambista, e Guto Martins, pai e músico, descrevem o momento do diagnóstico como se tivessem “passado por um portal e que nunca nada seria como antes”. O casal, apoiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo sistema educacional, iniciou uma longa jornada de tratamento, que inclui quimioterapia e, atualmente, uma terapia-alvo, devido à agressividade do tumor. A terapia-alvo, definida através de mapeamento genético, exige medicamentos de alto custo (cerca de R$ 6.000 por mês) e atualmente é garantida por decisão judicial contra o plano de saúde da família.
A experiência levou os pais a criarem uma página no Instagram (@mamaetocomcancer), onde compartilham suas vivências, os desafios e as pequenas vitórias diárias com outras famílias que enfrentam situações semelhantes. Eles destacam a importância de quebrar o tabu sobre o câncer infantil e chamar a atenção para sinais que podem ser cruciais para um diagnóstico precoce.
A trajetória de Flora não se limita à luta contra a doença. A menina, hoje com 9 anos, mantém sua alegria e sua paixão pela escola e por seus hobbies. “Flora, de 9 anos, garante que é tagarela somente fora da escola. A menina tem muito o que falar. Na escola, fica quietinha porque gosta de matemática e até acha fácil. Adora as aulas de português, de redação e também de inglês. As palavras se misturam ao olhar doce e sorridente. Em casa, devora os gibis da turma da Mônica. Diverte-se também em contar as suas histórias, das amigas da escola, das viagens que fez para o Nordeste e dos filmes e desenhos que assiste na TV. A tagarela também sabe que está em um longo tratamento para cuidar de um “dodói”, como os pais explicam.”, relata a mãe.
O neurocirurgião pediátrico Márcio Marcelino, do Hospital da Criança de Brasília (SUS), reforça a importância do diagnóstico precoce, afirmando que “Essa família ficou frequentando emergências e emergências de diversos hospitais. Não é só no Brasil. A gente tem documentado inúmeras iniciativas fora do país de conscientização e de alerta dos serviços de saúde para isso”. Segundo o especialista, o diagnóstico precoce, mesmo sendo um baque para a família, apresenta três benefícios: menor dimensão do tumor, facilitando a cirurgia; redução da possibilidade de disseminação da doença; e diminuição do tempo de debilidade da criança. Ele destaca ainda o avanço da ciência na diferenciação de subtipos de tumores e na definição de melhores tratamentos. No caso de Flora, o Dr. Marcelino já realizou quatro cirurgias.
Cris e Guto relatam a dificuldade enfrentada por algumas famílias, observando mães abandonadas com seus filhos doentes, vivendo em hospitais sem rede de apoio ou recursos financeiros. “Acho muito triste isso. A gente sempre se revezou muito. Há mulheres cuidando de crianças sem nenhuma rede de apoio, são pessoas em vulnerabilidade real sem dinheiro para fazer um lanche”, diz Guto. A jornada de Flora e de sua família serve como um alerta e um testemunho da importância do apoio familiar, da busca por diagnóstico precoce e da luta incansável pela cura.
“É fundamental falar sobre o câncer infantil”, diz Cris Pereira. “Não pode haver tabu”, complementa Guto.
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